Universidade Nômade Brasil Blog Sem Categoria Uma crítica hacker ao manifesto aceleracionista
Sem Categoria

Uma crítica hacker ao manifesto aceleracionista

Por McKenzie Wark, em seu blogue Synthetic edifice, jun/2013| Trad. Aukai Leisner

O hacker é aquele que contribui para construir novos regimes, ou ao menos povoar o regime existente com novos conceitos, novas ideias (…) São os aceleradores da modernidade: os que trabalham dentro e contra ela. São aqueles para quem o regime da economia de mercado é tanto um obstáculo quanto um capacitador.

googlecar1


#Celeridade: uma crítica ao manifesto por uma política aceleracionista

0.0 Não tem como não gostar de um manifesto que fala de mudança climática já no segundo parágrafo. Revela uma percepção aguda da atual agenda dos tempos. E não é o menor mérito de Acelere: manifesto por uma política aceleracionista [no Brasil, traduzido e publicado pela UniNômade]. Ele tem certa noção da atual conjuntura. Mas é uma noção apenas parcial, em minha visão. Em certa medida, é um texto bastante conservador. Claro, sempre fazemos uso do passado para imaginar um futuro.  Mas esse processo – alguns o chamariam detournment, outros de hackeamento – tem que ser levado a cabo com um pouco mais de profundidade e abrangência históricas. O que segue, portanto, é um comentário e uma crítica amistosos ao Acelere. A sequência das contra-teses equivale à ordem das tese no documento original.

1.1 O crescente ciclo da economia de mercado é uma série do que, depois de Marx, podemos chamar de fissuras metabólicas. Na divisão entre valor de uso e valor de troca, a troca de mercadorias afasta os objetos de suas matrizes de produção. Somente um lado da dupla forma do valor está sujeita a um circuito de retroalimentação quantitativa – o valor de troca. O seu duplo residual – o valor de uso – ou a malha de que se extraem as coisas, não é tão facilmente quantificado. Assim, fissuras se abrem no processo metabólico. Fissuras que os sistemas políticos saídos de sucessivas eras da economia de mercado não podem sequer reconhecer como problemas, quanto mais resolver.

1.2 A mudança climática é a mais preocupante dessas fissuras, mas há muitas outras. O problema com a dinâmica da economia de mercado é que a luta de classes em seu interior tende, entre outras coisas, a forçar a classe dominante a substituir o trabalho direto pela tecnologia. Mas cada uma dessas substituições, por sua vez, vale-se de mais energia e mais recursos materiais. Hoje, toda a infraestrutura da economia de mercado global se comprometeu a consumir mais recursos do que provavelmente jamais existirá. A classe dominante, quando não se autoilude com diversos ardis ideológicos, certamente sabe que manter uma economia de mercado a todo vapor irá somente agravar diversas fissuras metabólicas, entre elas a fratura climática. Suspeita-se que estão se preparando na surdina, se armando, construindo suas arcas particulares.

1.3 Contra essa terrível perspectiva, urge construir um novo imaginário, um novo espaço para o pensamento e a ação. Tal imaginário já existe, mas está disperso. A dificuldade das classes subordinadas é sempre um projeto da totalidade, justamente aquilo sobre o que elas não detêm poder. Bem, ninguém mais detém poder sobre a totalidade enquanto totalidade! A biosfera está em declínio como resultado de uma série de interesses privados competindo para fazê-la em pedacinhos – de valor de uso. O desafio é pautar a totalidade, abri-la, trazer a modernidade de volta à cena como um espaço que possibilita mais de uma via para um futuro possível.

1.4 A classe dominante gostaria que pensássemos que o futuro ” neoliberal” seja o único possível. Esse termo precisa ser combatido em várias frentes. Em primeiro lugar, não se trata de uma restauração da ordem liberal. É algo novo. Não foi uma volta no tempo a uma forma de economia mercadológica anterior ao estado de bem-estar e a todas as outras concessões arrancadas à força pelos trabalhadores organizados e os movimentos sociais. É um novo estágio, baseado em novas infraestruturas técnicas, novas formas de controle. Em segundo lugar: o que faz alguém pensar que algum dia o capitalismo foi “liberal”? A autonomia da esfera econômica já é uma proposição ideológica. A esfera “liberal” econômica foi conquistada por meio da massiva violência estatal contra os povos pré-modernos e suas formas de vida. Então: não houve capitalismo liberal; não há capitalismo neoliberal. Mas há um novo estágio da economia de mercado cujos contornos teóricos estão mal definidos, em grande parte porque tanto direita quanto esquerda compraram a ideia do mito neoliberal.

1.5 No mundo superdesenvolvido da Europa, Estados Unidos e Japão, a composição de classe se alterou significativamente. A manufatura declinou na composição do trabalho. As demandas que organizavam os trabalhadores em suas lutas já perderam o horizonte. Mesmo se pudéssemos fechar todos os salões de beleza, não conseguiríamos o mesmo efeito de fechar uma indústria estratégica como o aço. Agora que muitas dessas indústrias estratégicas não estão localizadas no mundo superdesenvolvido, a classe dominante tem cada vez menos interesse em manter as condições de reprodução no espaço das antigas nações superdesenvolvidas. Se os grandes investimentos não se concentram lá, então por que se preocupar com a saúde ou educação desses trabalhadores? As velhas soluções keynesianas para a crise funcionariam muito bem, mas não há uma coalizão de interesses que lhe sejam favoráveis, além de existir uma enorme pressão da classe dominante para usar a crise como forma de reduzir as funções reprodutoras do estado. De qualquer maneira, as formas nascentes de mercantilização visam justamente ao trabalho afetivo e informacional, que o estado ainda fornece, da saúde e educação. O mundo superdesenvolvido oferece poucos novos domínios para expandir a mercantilização, de modo que esses antigos domínios socializados acabam por entrar na mira.

1.6 A difusão das relações mercadológicas ao longo de todo o mundo superdesenvolvido fragmenta e torna cada vez mais moleculares os pontos de conflito e luta. Formas de enfrentamento específicas e locais emergem, de Wall Street à tática silenciosa, passiva, à la Bartleby, de não fazer no trabalho nada além de nossa obrigação. O problema é encontrar tipos de cola semântica para unir retoricamente tais ações. Não precisa ser uma linguagem radical, apenas plausível. Uma poética popular da totalidade aberta, da existência de mais de um futuro possível, de mais de uma linha de fuga do presente.

2.0 Celeridade

2.0 Não tão rápido, alguém poderia retrucar. Não nos enredemos em negações tão fáceis das formas presentes de teoria e práxis. Enquanto a forma do manifesto se sustenta na pura aniquilação do passado, procedamos com cautela, sem precipitação.

2.1 Para começar: já que a economia de mercado se diz preocupada com o futuro, até mesmo “progressista”, desafiemos esse mito. Parece que boa parte do que a classe dominante está fazendo agora no mundo superdesenvolvido é cultivar e proteger situações de quase-monopólio. Lançando mão do sistema arcaico de patentes para barrar qualquer engraçadinho, ou para se digladiar por zonas de influência. Enquanto isso, o que a classe dominante parece estar fazendo no mundo subdesenvolvido é produzir em larga escala o velho paradigma industrial do século 19. Lá, ela encontra de maneira modificada a resistência dos trabalhadores, e responde com as mesmas ofertas espetaculares, que são recebidas com o mesmo fastídio, novamente, numa escala ampliada. As relações de produção de uma economia de mercado estão mais para grilhões que constrangem o livre desenvolvimento de novos arranjos técnicos e sociais do que formas  de administrá-los. A própria forma mercadoria está fora de moda.

2.2 Há algo a ser dito sobre o exercício de imaginar onde a forma mercadoria acabaria, se deixada livre para acelerar conforme seu trajeto mental unilateral. A substituição dos trabalhadores resistentes pelo capital seria completa, tornando-os obsoletos, como um órgão residual. Isso se houvesse energia e recursos suficientes. Talvez não só os trabalhadores, mas a classe dominante se tornaria obsoleta. Um planeta inteiro se virando com pedacinhos de silício! Mas se trata apenas de um exercício mental, uma estratégia fatal na teoria. Na prática, não sobraria planeta o bastante para se aventar uma tal hipótese. Além do mais: a tecnologia pode ter importância, mas não é absoluta. É atirada de um lado a outro pelos interesses de classe em conflito. Mesmo que os caminhos alternativos para o futuro pareçam bloqueados, sempre há luta, diferenciação interna. Sempre há pontos que podem ser abertos à força.

2.3 A abertura de novos caminhos para o futuro significa reabrir a dimensão qualitativa da modernidade, sua dimensão estética. Foi esse o terreno em que grassaram suas vanguardas: os futuristas e construtivistas, os surrealistas e situacionistas, os aceleracionistas e esquizomaníacos. Todos abriram futuros que agora estão barrados. Mas para se avançar três passos, há que se recuar dois. Há muitos recursos nos espaços estéticos altermodernos do passado com os quais se pode ensaiar passos adiante.

2.4 Todas essas vanguardas qualitativas acabaram por encontrar seu Waterloo: a retaguarda quantitativa. A via para sustentar a economia de mercado depois que os enfrentamentos dos trabalhadores organizados e dos movimentos sociais atingiram seu ápice era um novo tipo de quantificação, uma nova logística, uma nova rede de vetores de comando e controle. No começo, era tosca e lidava somente com agregados e representantes, como as primeiras simulações computadorizadas da Guerra Fria. Mas o que realmente conduziu à sua dominação foi a infiltração na vida quotidiana da produção de informações quantitativas, a fim de que se expandissem para a totalidade da vida. Assim, as vanguardas qualitativas tem que reimaginar possíveis espaços para altermodernidades baseados nessa transformação da vida quotidiana, em todas as suas formas, num “gamespace” de informações quantificadas. Assim como os situacionistas imaginaram um espaço lúdico nos interstícios espaciais do policiamento urbano por meio da dérive, então, nós também devemos imaginar e experimentar com os fendas e rachaduras no “gamespace” que se tornou a economia de mercado. O tempo da ruptura, ou do ato de bravura, é chegado.

2.5 Aqui, podemos trilhar o caminho de Marx, mas sem tratá-lo escolasticamente. Em vez disso, temos que reinventar sua prática: seu uso de ferramentas conceituais como ferramentas, seu uso dos melhores dados empíricos, sua conexão às lutas que o cercavam, sua utilização das estratégias comunicativas da própria modernidade. Além disso, precisamos retomar a versão marxiana do slogan nietzscheano: “Deus está morto”. Para Marx, a história não é transitiva. Não se pode voltar atrás. Apenas ir em frente. É uma questão de lutar para abrir um outro futuro além deste, que como o próprio Marx intuiu, não tem mais futuro. Então: não nos voltemos ao que Marx diz, mas ao que ele faz. Alinhemo-nos, como ele o fez, à vanguarda dos tempos.

2.6 Tiraríamos pouco proveito em requentar os vários experimentos revolucionários do século 20. Lênin e Mao tem pouco a nos ensinar. A conjuntura deles não é a nossa. O resto é conversa fiada.

2.7 Quais são as forças da mudança? Marx faz essa pergunta em seu Manifesto. Sua resposta: aqueles que se perguntam sobre a propriedade. Acontece que concentrar toda a propriedade nas mãos do estado não é resposta correta à pergunta da propriedade. Adeus, Lenin; adeus, Mao. Mas a pergunta permanece válida. Quais sãos os agentes lutando dentro e contra as formas de produção emergentes que podem conformar os produtos dessas tecnologias e processos de trabalho? Uma das respostas é: o trabalhador. Mas outra é: o hacker. O trabalhador é alguém que luta dentro e contra um regime produtivo. O hacker é aquele que contribui para construir novos regimes, ou ao menos povoar o regime existente com novos conceitos, novas idéias – recuperadas pelas novas formas de propriedade conhecidas como “propriedade intelectual”. São os aceleradores da modernidade: os que trabalham dentro e contra ela. São aqueles para quem o regime da economia de mercado é tanto um obstáculo quanto um capacitador. A relação entre essas classes, e com outras classes subalternas, torna-se a questão tática central. Uma questão não apenas de poética de um novo futuro, mas de modos de coordenação.

3.0 Futuridade

3.1 A tarefa é coordenar a energia latente de um povo cansado, com o que a economia tem a oferecer, com a consciência de quais poderes modeladores nos restam, para abrir rachaduras em direção a novos futuros. Não é isso ou aquilo. Políticas para o povo e políticas técnicas têm que conversar. Do contrário, se cai, por um lado, em queixas locais e específicas, ou energias puramente negativas, ou numa recusa em confrontar o quadro mais amplo das fissuras metabólicas. Por outro lado, ignorar as políticas populares é também um perigo, o perigo do dilema tecnocrático. Seria basear decisões numa recusa em considerar as lutas e demandas populares, mas também insights e dados das lutas populares dentro e contra a economia de mercado. Não precisamos de teoria ou ocupações, mas ocupações da teoria.

3.2 É a questão de saber se o fastídio com a economia de mercado agirá rápido o suficiente, à medida que se espalha do mundo superdesenvolvido para o subdesenvolvido, a ponto de abrir novos caminhos, antes que fissuras metabólicas como a crise climática forcem o planeta a adotar “soluções” mais violentas, desestabilizantes e francamente fascistas para seus problemas. Na China, os trabalhadores fabris já estão começando a ficar impacientes. Para além disso, há ainda muita mão-de-obra barata a explorar no mundo. Enquanto isso, no mundo superdesenvolvido, um novo regime de extração de valor encontra meios de extrair valor do não-trabalho. Mecanismos de busca e redes sociais encontram maneiras de extrair valor das maneiras de usar, sejam elas voltadas ou não ao trabalho, e sem pagar um centavo. É uma espécie de empresa predatória, parasitando lutas populares francamente bem-sucedidas, a fim de liberar vários canais de informação da forma mercadológica e circulá-los livremente. Mas após derrotar as antigas indústrias culturais com essa tática, o movimento social da cultura livre se encontra capturado, em um nível mais elevado de abstração, pelas indústrias predatórias e sua gamification de todos os aspectos da vida cotidiana. Então: qualquer projeto de altermodernidade tem que passar ao largo da expansão dos antigos regimes de mercantilização ao redor do mundo, mas também desses novos e peculiares regimes, prevalentes no mundo superdesenvolvido, mas com tendência a transformar os fluxos de informação por toda a parte.

3.3 Claro, parte da velha classe dirigente ainda insiste em medidas crescentemente repressivas e globais para restringir a informação à velha forma proprietária, seja ela de patente, copyright ou marca registrada. Mas o atual regime de produção não respeita essa aderência da informação a alguns objetos particulares. ” A informação quer ser livre, mas está presa por todos os lados”. No entanto, parte do problema foi contornado por outra facção da classe dominante, que encontra meios de extrair valor das economias de informação dadivosas e populares que surgiram. Novas táticas são necessárias hoje, para combater as novas e velhas formas de mercantilização. Talvez fosse até possível construir relações técnicas e sociais mais eficientes e úteis, não importa o quão low-tech, precisamente porque não necessitariam do embaraçoso “gerenciamento de direitos digitais” etc do antigo e aprisionante regime.

3.4 Enquanto talvez não haja um regresso possível ao antigo modelo fordista de produção, as parciais socializações do mais-valor que foram o resultado das lutas daquele tempo têm muitos pontos positivos. É verdade inconteste que esses sistemas “socialistas” de moradia, saúde e educação saíram-se melhor que seus análogos rentistas. A ideologia presente o nega, mas de fato assim se deu. Esses sistemas eficientes estão sendo retalhados no mundo superdesenvolvido simplesmente para fabricar cópias ineficientes que permitirão à classe dominante extrais mais-valor de alguma coisa. Não nos esqueçamos: pode não ter sido uma utopia, mas o socialismo triunfou, no ocidente, nessas áreas.

3.5 A construção de futuros melhores demandará toda a infraestrutura de que pudermos dispor. Mas não é tão simples como redirecionar as infraestruturas existentes, todas baseadas na contínua expansão dos recursos e na exploração do trabalho como dados inerentes. O primeiro passo é livrar-se da oposição binária isso/aquilo, no que concerne à tecnologia. Grande parte do debate a vê como panaceia ou maldição. A tecnologia, como diz Stiegler, é um pharmakon: é ambos, e tudo o que está entre. Uma tecnologia não é somente aquilo que realiza, mas também aquilo que pode realizar. Precisamos de uma abordagem aberta, experimental, uma abordagem crítica. Ser a favor ou contra é um dos velhos problemas de um vão discurso da modernidade.

3.6 Um dos melhores sistemas “socialistas” do ocidente foi o financiamento público da alta ciência. A ciência sempre esteve subordinada a metas de segurança nacional e desenvolvimento industrial, mas não se confundia com eles. A internet foi inventada mais ou menos por acaso. A maior parte das grandes descobertas aconteceram antes que a ciência estivesse constrangida a produzir valor para a economia de mercado ou a necessidades de defesa especiais. Precisamos retomar um senso de possibilidade da ciência. A maior parte de seus fracassos não são imputáveis à ciência, mas à política. Pesticidas como o DDT causam dano devido a uma falha do circuito de retroalimentação que vai das políticas populares à tomada de decisões tecnocráticas. O mesmo é válido para muitos desastres tóxicos de hoje em dia. É preciso uma ciência para saber quando um produto da ciência está sendo mal empregado. A ciência do clima é a responsável por sabermos que a ciência aplicada na indústria está causando problemas. Precisamos de mais ciência, não de menos. Inclusive uma ciência da sabedoria popular sobre efeitos da ciência aplicada à indústria.

3.7 Mesmo uma pequena dose de tecnoutopismo pode não ser má idéia de tempos em tempos, imaginar espaços possíveis, ainda que apenas espaços conceituais, como no trabalho de Constant. Mas se reconhecermos que a tecnologia em si não nos salvará, também temos que acompanhar de perto  experiências com “tecnologia social”. Estejamos envolvidos numa utopia ou numa nova prática social, há que se atentar para o modo como o social habita o tecnológico e vice-versa. A tecnologia e o social (ou o político) não são coisas separadas. A frase “o tecnológico é politicamente (ou socialmente) construído” não tem sentido algum. Quando falamos do político ou do técnico, estamos simplesmente olhando para o mesmo sistema com lentes diferentes. Mas entre os intelectuais, o social, o político (e podemos acrescentar o cultural) são como um fetiche. Há algo de taticamente útil em se enfatizar a base tecnológica de tais perspectivas. Entre engenheiros e designers, é claro, aplica-se a estratégia de pensamento oposta. A aceleração da evolução técnica requer uma diálogo sofisticado, que inclua todas as perspectivas, inclusive as populares.

3.8 No entanto, não pode haver um retorno ao “planejamento” como panaceia, uma vez que ele sempre implica assimetrias de informação. As partes excluídas e seu conhecimento, suas lutas, sempre se mostram relevantes. Para encontrar exemplos, basta olhar para os desastres ecológicos do planejamento soviético. O desafio é coordenar o conhecimento qualitativo tão bem como o mercado coordena o conhecimento quantitativo – e melhor.

3.9 Novos tipos de medidas quantitativas também podem ajudar. Usemos esta arma contra a classe dominante! Mas também precisamos de novas ferramentas de visualização, novas narrativas, novas poéticas e que não excluam a política popular, mas a levem em conta. A pergunta a se fazer sobre qualquer novo “mediador cognitivo” é: está mediando a cognição de quem?

3.10 A ênfase numa altermodernidade nesse ponto tem que ser nas suas práticas experimentais. O que implica não somente uma síntese entre as dimensões qualitativas e quantitativas da modernidade, mas também retraçar suas tendência críticas e negativas, assim como as afirmativas e construtivas.

3.11 Tudo isso clama por uma união das forças sociais. Requer alianças interclasses, entre trabalhadores e hackers. Requer redes transnacionais, cobrindo o mundo super e o subdesenvolvido. Não é simplesmente uma questão de reprogramar as infraestruturas sociais existentes. É uma questão de alinhar todas as tendências que lutam dentro delas.

3.12 Não basta mais dizer o que seria a política ideal. Talvez a própria política deva se tornar objeto de severa crítica. Os intelectuais gostam de imaginar uma versão ideal da política, mas não se interessam tanto pelas existentes no presente. É uma questão de encontrar o trabalho certo para aqueles entre nós que falam e escrevem e não vão muito além disso. Talvez como agentes de uma “teoria desde baixo”, que procura conectar lutas particulares, em vez de planejá-las, de cima para baixo. Não falemos mais de como a política “deveria” ser. Camaradas, arregaçem as mangas!

3.13 Certamente não devemos regressar à política de sigilo, verticalidade e exclusão que, antes de tudo, nos lançou nessa confusão. O planejamento é importante. Toda economia faz planos. Mas fechamento excessivo leva apenas a déficits de informação.

3.14 Nem o modelo centralista nem o meramente horizontal e participativo funcionam sozinhos. Eles existem em tensão mútua, e com diversas outras formas sociais. Joguemos com um baralho completo de formas sociais.

3.15 Há sempre uma ecologia das organizações, ainda que incompleta. Mas o problema com a atual é que ela não reproduz suas próprias condições de existência. Ela as destrói. Esse deve ser um objeto central da crítica e da experimentação em todos os níveis.

3.16 Retirar-se para a montanha, equipar uma elite dirigente com uma nova ideologia e um par de ferramentas cognitivas somente prolongará a crise. Não flertemos com a fantasia de um novo príncipe de Siracusa.

3.21 A mitologia prometeica dos futuristas pode servir para alguns, mas um emprego mais amplo do repertório mítico de imagens e histórias é o que clamam os tempos atuais.

3.24 A perspectiva de um futuro precisa, no entanto, ser reconstruída. Pode-se começar com uma síntese das várias linhas da modernidade que estão agora fragmentadas em domínios separados, todas sob o jugo da mercadoria e sua equivalência quantitativa. Mas tal perspectiva não tem valor nenhum sem atores sociais identificáveis. Ela clama por uma luta popular, e populista, em muitas linguagens, reunindo diferentes modos de pensar e experimentar em projetos comuns. Pode não precisar de uma imagem ou metáfora onicompreensiva. Até mesmo na ideologia, modelos fordistas parecem coisa do passado. A tarefa não é de retórica política, mas de verdadeira política, de encontrar o modus vivendi para diferentes forças em luta, agindo agora, com a máxima celeridade.

4.0 Pensamentos Particulares de Conclusão

4.0 Então: Dois vivas para o #Acelerar. Mas somente dois. O Manifesto desenvolve a escrita provocativa de Nick Land, mas à sua esquerda. Mas se Land é um “aceleracionista de direita”, o #Acelere acaba ficando numa posição centro-aceleracionista. Ele acaba resvalando no planejamento, na fuga intelectual para a montanha, em vez de se engajar com as novas formas de luta. Não obstante, seu futurismo reavivado, sua abertura à tecnologia, para pensar os problemas em larga escala, são características positivas. O que falta é empurrá-lo um pouco mais à esquerda, sem cair nos pecados da esquerda: o fetiche da política como solução mágica para resolver todos os grandes problemas.

4.1 Na medida em que pessoalmente encontro aqui solo comum, #Acelere guarda semelhanças com uma posição que passei a defender dez anos atrás, em A hacker manifest (Harvard, 2004) e Gamer theory (Harvard, 2007). Esses textos refletem, respectivamente, as dimensões mais positivas e pessimistas do aceleracionismo. Eu me baseei em diferentes fontes vanguardistas modernas, cuja genealogia eu esboçei em The beach beneath the street (Verso, 2011) e The spectacle of disintegration (Verso, 2013). Em suma: há outros caminhos para o mesmo território além daquele algo estranho que vai de Karl Marx via George Bataille a Nick Land. (Deleuze, no entanto, temos em comum). Talvez o projeto coletivo seja remapear aquele território, a fim de conhecermos melhor as nossas opções e que recursos podem ser extraídos do passado. Fora isso: danem-se os torpedos, sigamos a todo vapor!

 

McKenzie Wark, autor de Geografia virtual (1994) e Telestesia: comunicação, cultura e classe (2012), leciona na New School University (Nova Iorque)

Tradutor: Aukai Leisner

Sair da versão mobile