Por Luiz Fernando da Mota Azevedo (“Dudu”)
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Vimos nos jornais em fins de março e agora em abril, uma ou duas matérias sugerindo que os moradores sejam ouvidos pelo Estado e pelo governo, para que se conheçam outras providências para além da tomada policial da comunidade. Muitíssimo justo, aliás.
Mas, aí complica. Ouvir quem na comunidade?
Trabalhei por anos no movimento social na Maré, inclusive como voluntário. Quem esteve lá, como eu, sabe muito bem que a grande maioria dos presidentes das 15 ou 16 associações de moradores locais não representam aos moradores como seria desejável.
A comunidade ainda está construindo sua própria capacidade de articulação de moradores. Logo, quem tem se oferecido com presteza para “representar” a população são algumas ONGs. Essa representação também é insuficiente, por maiores que tenham sido os ganhos sociais já promovidos por essas organizações (e eles existem, sim) [1]!
Ainda não existe uma proposta política para se ouvir uma nova geração de moradores com prática social local sedimentada, prática essa muitas vezes formada (contradição aparente) a partir dessas mesmas ONGs nos seus cursos preparatórios ou ainda, amadurecida nos vários momentos reivindicatórios da população local.
Não adianta dourar a pílula: mesmo que a comunidade tivesse menos que os 130 mil moradores como tem sido noticiado, consultar a associação de moradores ou a ONG é necessário, justo e pertinente, mas insuficiente, equivocado politicamente, prejudicial à mobilização/organização da população local. Já participei dessas consultas.
Nesse momento de instalação da UPP na Maré, o Estado, o governo, as ONGs, a imprensa, os políticos, as Associações de Moradores e principalmente os que lá residem, deveriam ter olhos/ouvidos sensíveis para a inclusão de outros grupos e pessoas da Maré no processo de discussão coletiva, mais ampla, das mudanças desejadas pelo morador: esses novos atores existem e estão, por exemplo mas não apenas, no facebook pensando em rede. Seus nomes são conhecidos em grande parte da Maré, quase todos na faixa dos 30 anos. A partir desse chamamento poderemos conhecer outros intelectuais locais, saber das novas formas de pensar, de produzir informação / conhecimento / saber, e assim veremos outras referencias locais com as quais os moradores podem se juntar, ouvir, discutir, atuar, avaliar, ou seja, “representantes” recém chegados além daqueles tradicionais.
Sei que esse foi e acredito que ainda seja um sonho antigo desejado pelos que começaram a atuar antes no movimento social da localidade. E, é claro, cabe ao morador ocupar seu espaço de representação, sem se acomodar, relaxar e deixar que poucos (mesmo no caso de deterem certa legitimidade) falem por ele.
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NOTA
[1] – Na verdade, precisamos discutir também o conceito de representação: parece que a ela pode apagar a presença dos outros moradores que estão no mesmo barco tentando transformá-lo. Particularmente prefiro o termo pessoa referência ou entidade referência, personagens políticas que podem ser procuradas, mas que não são os líderes tradicionais que nos “convocam” eventualmente para seguir caminhos quaisquer, mesmo que bem intencionados. O caminho a seguir não deve ser tratado nem escolhido ou votado em reunião ocasional com “representantes” (também aí), mas principalmente em encontros NÃO eventuais, presenciais e virtuais, em rede, HORIZONTAIS e dentro do possível, em consenso.
Foto: Elisangela Leite