UniNômade

Podemos demonstra que o voto “antipolítica” não é um monopólio da direita

Por Luke Stobart, no Guardian, 28/5  | Trad. Silvio Pedrosa, UniNômade

Continuando o trabalho de apreensão das alternativas que se constituem em meio à crise da representação, engrenada na crise do capitalismo global (seja ela crise de crescimento, seja recessiva), a Universidade Nômade passa a publicar uma série de artigos que pretenderá abarcar não só o Podemos, como também o Ganhemos (ou Guanyem, como é conhecido na língua catalã) e o grego Syriza. Mal tendo surgido, o Podemos quebrou o bipartidarismo que organiza o sistema político espanhol, numa polarização vagamente ideológica entre PSOE (que ocupa o lugar simbólico da “esquerda”) e PP (da “direita”). O Podemos apareceu contestando a polarização vazia, acusando a inteira “casta política” de subtrair a representação do poder democrático. Apoiado nas redes oriundas do Movimento 15-M, num núcleo político-ideológico formado nas lutas alterglobalização e num trânsito na América do Sul e na figura midiática de Pablo Iglesias (que personifica a imagem pública do novo partido). [N.E.]

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O perturbador avanço da extrema-direita na Inglaterra, França e Dinamarca nas eleições europeias de maio de 2014 tem sido atribuído a uma reação contra a política estabelecida. Em especial, contra a convergência política entre esquerda e direita partidárias majoritárias. Em primeiro lugar, convergência na adesão ao neoliberalismo econômico e às políticas sociais, o que levou a mais desigualdade, insegurança e pobreza, particularmente sob o regime de austeridade; e, em segundo lugar, com relação à rejeição da imigração. A primeira levou a um crescente desencantamento com a política para muitos; a última ajudou a jogar os menos liberais entre os sem engajamento nas mãos que posavam como forças anti-establishment.

Felizmente, eleições também recentes demonstraram que o desencantamento com a política tradicional não move apenas na direção da direita. Na Grécia, foi o partido de extrema esquerda radical, Syriza, quem ficou no topo com 27%, deixando o antes dominante Pasok com 8%. Em Portugal e Holanda, os partidos socialistas de oposição ultrapassaram os partidos de centro.

Os resultados na Espanha foram particularmente notáveis. Os dois partidos que dominaram a política do país desde o fim da ditadura de Franco – o partido conservador atualmente no poder, Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) – viram sua divisão de 81% do eleitorado cair para 50%, em 2009. Muitos dos votos do PSOE foram transferidos para a Esquerda Unida (IU) – que subiu para 10% – e partidos menores como pró-independência Esquerda Republicana Catalã, primeiro colocado na Catalunha.

O barril de pólvora explodiu, entretanto, com os 1,2 milhões de votos dados a uma inspiradora nova organização baseada na oposição à austeridade e à “casta política”: o Podemos. Tendo surgido no começo de 2014, contando com limitados recursos em comparação com os demais partidos, e sem receber praticamente nenhuma cobertura midiática (algo que mudou radicalmente desde então). Podemos é, agora, o terceiro partido em diversas regiões, incluindo Madri e Astúrias [NE. em novembro de 2014, as pesquisas de intenções de voto já situam o Podemos como primeira força eleitoral nacional].

Podemos foi lançado por Pablo Iglesias, que ganhou popularidade massiva por meio da apresentação de debates televisivos alternativos e por detonar políticos e jornalistas do establishment, assim como membros da revolucionária Izquierda Anticapitalista (Esquerda Anticapitalista) e outros ativistas. A meta desse audacioso e radical projeto era transformar uma “maioria social em uma maioria política”. Assim, as características definidoras do Podemos são suas raízes no movimento 15-M (Indignados), que ocupou praças urbanas em 2011, movimento no qual diversos ativistas participaram.

O 15-M lutou contra a falta de “democracia real” nas eleições de maio daquele ano, usando o slogan “eles [os políticos] não nos representam”. Em oposição aos métodos da “política representativa”, os protestos foram organizados mediante a massiva participação democrática, como passaram a fazer os movimentos sociais subsequentes. Esse espírito animou a atividade de 400 “círculos” (grupos locais) do Podemos espalhados pela Espanha e jovens imigrantes em diversas cidades europeias. Cerca de 33 mil pessoas participarão nas primárias abertas para selecionar os candidatos eleitorais que consistem em “não-políticos”.

Tal abordagem foi inicialmente ridicularizada pelos políticos. A prefeita de Madri, Ana Botella, tentou mobilizar eleitores conservadores durante a campanha eleitoral, argumentando que “muitos desses que que vem fazendo antipolítica, estarão presentes nas eleições”, sugerindo que eles ignoram o discurso sobre a “política não servir para nada” e que “as instituições não importam”. O Financial times descreveu o líder do PSOE, que chegou a anunciar a sua renúncia, como sendo “vítima de uma reação abrangente contra os principais partidos”. A Esquerda Unida “consultou” a comissão eleitoral sobre a legalidade das aparições de Iglesias na TV durante a campanha.

A relação de Podemos com a Esquerda Unida é agora um assunto estratégico de primeira ordem. Negociações prévias para criar uma aliança eleitoral estagnaram, porque os comunistas se recusaram a eleger candidatos através de primárias. Uma questão adicional é que, a despeito da Esquerda Unida e do Podemos terem propostas similares (incluindo o cancelamento da maior parte do endividamento, a interrupção dos despejos, a nacionalização dos bancos subsidiados e o fim da privatizações), a Esquerda Unida tem frequentemente ingressado em governos regionais com o PSOE, aplicando políticas de austeridade e desapontando seus eleitores.

Para que o Podemos continue inspirador, a manutenção das primárias e a não-participação em qualquer governo social-liberal precisam ser linhas inultrapassáveis. Ainda assim, ele já demonstrou que a oposição à ordem política pode ser monopolizada pela esquerda e não apenas pela direita. Na maioria dos países, a antipolítica progressista existe antes como uma espécie de humor do que como movimento político ou social organizado, como foi revelado pela popularidade internacional das denúncias de políticos por Russell Brand. A questão agora é se esse espírito pode constituir uma alternativa ao canto da sereia da direita.

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