Por Tiago Rattes de Andrade, no Política revisitada
Se o governo Lula se destacou pela capacidade de reduzir a pobreza e desigualdade no Brasil através de políticas sociais e de uma política econômica que redimensiona o papel do estado brasileiro, o governo Dilma, dando continuidade a muitas de suas medidas e iniciativas, consolidou no plano econômico uma espécie de “neo-desenvolvimentismo” . Ainda que vejamos elementos de continuidade virtuosa nesse processo, há que se compreender que certos “gargalos” políticos seguem relevantes, como por exemplo, a ausência de uma reforma política que tem como conseqüência a extrema dificuldade do PT, que encabeça o governo de coalizão, em se livrar, ou mesmo ganhar mais autonomia em relação ao tradicional jogo político das alianças que em muitos momentos limitam as possibilidades de avançar em mudanças e reformas mais amplas, que vão além da esfera econômica da sociedade.
Dentro da coalizão podemos perceber uma clara vitória e avanço da concepção neodesenvolvimentista, que tem como maior entusiasta, a própria presidenta Dilma. Se por um lado tal concepção fortalece alguns elementos de estado que podemos chamar de “progressistas” como por exemplo a atuação do Banco central na redução de juros em favor da produção, o papel do BNDES no impulso de grandes empresas nacionais e no spread bancário, por outro lado é notório que essa concepção esbarra em alguns problemas que tento aqui em seguida organizar:
O primeiro problema e mais gritante é que essa concepção revela antes de tudo uma visão essencialmente “economicista” de sociedade. A crença inefável de que um determinado avanço econômico é suficiente para garantir outros avanços societários, pode gerar alguns problemas quando tratamos de um governo que se pretende de centro-esquerda já que muitas das medidas para promover o suposto avanço econômico acabam esbarrando em medidas “liberalizantes” que a longo prazo podem tornar inviáveis as transformações necessárias para a (re)construção de um estado com maior capacidade estratégica. Se as empresas tem papel fundamental nesse processo, por outro lado não se pode subestimar a necessidade de que o estado assuma a frente da questão da transferência tecnológica, seja da tecnologia em si, ou seja da tecnologia da gestão desse desenvolvimento (algo que se tornou latente como no caso dos portos e aeroportos brasileiros).
Em segundo lugar, e fundamental para uma noção de processo civilizatório, é importante pensarmos que um certo modelo de desenvolvimento, muitas vezes parecido com uma releitura de modelos passados gera naturalmente um efeito sobre a “sociedade de classes” no Brasil e a forma como essa relação entre “capital e trabalho” (perdão pelas expressões empoeiradas) se constitui e se resignifica. No meu entender a tentativa de empreender um ciclo neo-desenvolvimentista tende a gerar uma espécie de “emulação” de uma sociedade de classes que já se esgotou e não promoveu a devida “libertação” e “ampliação de direitos” da antes chamada classe trabalhadora (desta vez peço perdão por parecer pós-moderno). Mas é fato que em uma sociedade onde as relações de pertencimento e associação se tornam cada vez mais difusas, insistir em um modelo reverso gera menos “empoderamento” aos cidadãos e cidadãs em seu cotidiano. O maior exemplo disso é a clara ausência de uma agenda efetiva para LGBTs, que ao mesmo tempo que compõem o setor que mais se organiza na sociedade brasileira e promove uma efetiva luta pela igualdade e cidadania, são os que menos enxergam horizontes claros dentro das políticas do atual governo.
É óbvio que o desafio é imenso, já que não podemos também aceitar o discurso fácil de que é possível promover avanços sem avançar na economia, o que empreende uma gama de desafios como os problemas de infraestrutura e investimento. Essas questões também podem ser qualificadas como uma tarefa emergencial. Mas ainda sim precisam ser pensadas dentro de um projeto mais qualificado de sociedade, o que por sua vez tem sido o grande dilema histórico da esquerda brasileira. Pesa ao PT maior responsabilidade sobre a tarefa de pensar esse processo pelo fato de que é o partido quem o lidera. Ao mesmo tempo preocupa o fato de que o partido não assuma tal posição. Assistimos uma espécie de “dissociação confortável”do partido das tarefas do governo no sentido de articular, formular e cobrar.
Dilma precisa de uma agenda política que converta avanços econômicos em avanços civilizatórios qualificados. A economia por si só é incapaz de gerar bem-estar, essa é uma velha lição que os regimes de bem estar social nos deixaram. Tal agenda representa não só o avanço de políticas específicas mas também a necessidade gritante de que esse governo, que eu apoio, tem de estabelecer elos efetivos (e por que não afetivos) com os diversos setores da sociedade que emergem, se transformam cada vez mais e esperam esse posicionamento traduzido em ações.
E não esqueçamos, (perdão pelo pragmatismo) as eleições estão chegando.