“A CONSTITUIÇÃO DO COMUM” EM SÃO PAULO
~ lançamento no sábado, 8/7, 17h, edifício Metrópole ~
https://www.facebook.com/events/207487919767583/
—
—
“A constituição do comum; antagonismo, produção de subjetividade e crise no capitalismo”, Alexandre F. Mendes e Bruno Cava, Rio de Janeiro: Revam, 2017.
Apresentação
Em “Quando novos protagonistas entram em cena”, o autonomista marxista Éder Sader cartografa a cena dos chamados ‘novos movimentos sociais’ na virada da década de 70 para 80. Todo um novo estilo de militância que marcou época no Brasil inclusive como contraponto às velhas esquerdas socialistas e centradas nos partidos políticos. Os esquizoanalistas Felix Guattari e Suely Rolnik, em “Cartografias do desejo” captam esse momento singular da história das lutas, que em tempos de Petrolão não deixam de ganhar um sabor distante e inatual.
Depois veio a década de 90 e embora predomine uma visão esquerdocêntrica de terra arrasada, da dita ‘longa noite neoliberal’, aquela foi uma década de transformações ambivalentes na economia política do trabalho, dissolvendo as últimas promessas do mundo industrial-fordista. Mais que virar suco e amalgamar-se na geleia geral do pós-fordismo, a classe trabalhadora se derramou sobre o tecido da metrópole, a fábrica social e usina biopolítica de um novo proletariado. O que nostálgicos do fordismo-keynesianismo chamam de brasilianização do mundo, como precarização e fragmentação, autores mais afiados na análise das subjetividades como André Gorz ou Giuseppe Cocco leem como a reabertura de um horizonte de mobilizações, o que o último chama de devir-Brasil do mundo, o lado potência da diáspora da classe. Tudo isso foi concomitante ao ressurgimento de lutas de novo tipo, ainda outro estilo de ativismo, com o zapatismo, os protestos alterglobalização e os fóruns sociais mundiais.
Os autonomistas operaístas Michael Hardt e Toni Negri escreveram o manifesto de uma geração, em “Império” (2000), prolongando na teoria essa virada não mais protagonizada por movimentos autônomos, no sentido orgânico do termo, mas pelas autonomias em movimento, uma tendência geral de autonomização. No Sul Global, do circuito virtuoso entre governos e autonomias, emergiu um esquema complexo que se desdobrou ao longo da primeira década dos anos 2000. Daí vieram no mundo todo novas transformações polivalentes do mundo do trabalho e dos ritmos da vida, uma produção de subjetividade que conduziu o capitalismo global a ainda outra beira do precipício, o que se traduziu no plano das lutas no ciclo global das acampadas e primaveras.
De 2010 a 2015, foi o curto e intenso ciclo da Praça Tahrir, do 15-M, do movimento Occupy, de Gezi Park, do YoSoy132 no México, da Maidan na Ucrânia, do Guarda-Chuva em Hong Kong, do Nuit Debout na França, entre outros. Este curto ciclo se colocou em interferência com o longo ciclo em que, no Sul, os governos ditos “progressistas” estavam engrenados, produzindo ressonâncias e dissonâncias. A maior delas, sem dúvida, foi no Brasil do levante de 2013, a crista de uma cordilheira de transformações subjetivas que pôs fim virtual a qualquer possibilidade de recomposição institucional por dentro de um progressismo rendido ao bloco de biopoder (seja na versão desenvolvimentista, seja na neoliberal).
Hoje, encerrado tanto o ciclo curto quanto o longo, à custa de repressões, termidores e autofagias, parece que estamos presos ao inferno das conjunturas. De conjuntura em conjuntura, de atual em atual, perdeu-se o campo virtual das transformações inconjunturais, das condições intensivas do sistema, para dizê-lo com Gilles Deleuze. Como transpor à teoria toda essa torrente de fatos, seus encadeamentos que saltam tempos e espaços, e como enxergar o movimento intempestivo dos conceitos, suas tessituras e espectros, como apreender a terrível cor filosófica que ronda no avesso do presente vivido, na insistente cortiça do enunciável? Como recusar a saída pela conjuntura, como pensar a conjuntura do ponto de vista dos inconjunturais? Com que forças do pensamento?
Em vez de sair, enfrentar os dilemas entrando neles, encarar as charadas aguçando as interrogações, fazendo escutar o ronco de uma época que parece cercada por todos os lados. Este livro que nós escrevemos é um esforço teórico e político, intrigado e por vezes assombrado, de lidar com essas questões.
—