Por Javier Toret e Carlos Sánchez Almeida, em Diagonal Saberes, 8/11 | Trad. UniNômade Brasil
Ativistas de Barcelona relatam contexto de monitoramento político pelas redes sociais, revelando o medo, a incompreensão e a ineficácia do poder constituído para lidar com a complexidade social emergente nos movimentos-rede, a partir do 15-M europeu.
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Independentemente das consequências legais que poderiam ter os arquivos do Centro de Segurança de Informações da Catalunha (Cesicat), cujo recente vazamento pelo Anonymous revelou listas com nomes de ativistas do 15-M monitorados pelo governo, se de fato foi aplicada a Lei de Proteção de Dados, devemos refletir politicamente sobre o tipo de sociedade de vigilância que se está construindo, e não só na Catalunha. Resulta vergonhoso e impossível justificar que se destinem recursos públicos para espionar os movimentos e a sociedade civil organizada, em vez de escutá-los e veicular suas demandas. O fato indica que não estamos numa democracia, que as elites representantes do 1% estão em guerra contra os cidadãos.
As revelações do Anonymous sobre o monitoramento de cidadãos críticos não surpreende. É evidente que, desde 2011, o poder sabe que milhões de pessoas fazemos um uso político de redes sociais e identidades coletivas — o que temos chamado “tecnopolítica” — para gerar processos de auto-organização e ação coletiva, tanto na rua quanto nas redes. O que não sabem, a julgar pelas filtragens recentes, é o como fazemos. Desconhecem até onde chegam a profundidade e a complexidade de nossas práticas de ação, comunicação e organização em rede, que se encontram em constante evolução.
Não podemos ser ingênuos. Devemos saber a que riscos nos expomos e não descartar o uso tático de pseudônimos ou identidades coletivas que protejam a nossa privacidade. Também temos que levar em conta que grande parte da força das ações que temos desenvolvido depende da presença direta, pública e massiva no espaço público expandido que o 15-M e suas bifurcações criaram no seio da sociedade. Práticas massivas de desobediência civil que têm contado com doses insólitas de legitimidade e apoio social (chega a 70-80% da população) e que, em sua maioria, estão dentro da legalidade.
Grande parte da força de nossas ações depende da presença massiva no espaço público.
Afirmar em nome próprio o que fazemos dá muita força a nossas práticas, especialmente quando são massivas e cidadãs. Mas também as dinâmicas e práticas de anonimato têm sido chaves para muitas das iniciativas de que temos participado nos últimos anos. O chamado “capuz digital”, o uso tático de identidades coletivas, a amplidão e porosidade das práticas tecnopolíticas e a criação e uso massivo de criptografia mais acessível (“user friendly”) são recursos que podem aumentar nossa segurança, dificultar o rastreamento e conjugar nossa segurança com a manutenção de um espaço público, aberto, transversal e empoderado, potenciador dos movimentos em rede e por eles mesmos. Ao mesmo tempo da descoberta do sistema Prism de espionagem por E. Snowden, se amplia a consciência acerca da importância da defesa da privacidade e liberdade na internet. Os ataques da rede de criptografia Tor da NSA não conseguiram acabar com a rede P2P de criptografia.
Resposta dos 99%
Nós defendemos na batalha entre liberdade e privacidade e controle e vigilância a visão do Wikileaks: máxima visibilidade para os movimentos do 1% e as elites nos governos e máximo respeito à privacidade e à liberdade para os 99%. Não podemos fazer uma leitura paranoica (e deixar que esta nos lasque) porque, se o caso de Cesicat bem confirma o quão fácil que é monitorar a atividade das redes, também mostram o absurdo (e ilegal) de fazer listas negras de perfis na internet, tratando de rondar “líderes” de uma dinâmica social muito extensa e distribuída. Os informes de Cesicat refletem a impotência que resulta de não poder compreender nem controlar a complexidade social, de atender unicamente a recortes de processos advindos de um mar de interações.
Os informes de Cesicat refletem a impotência deles em não poder compreender a complexidade social.
As revelações de Anonymous, Wikileaks e Snowden são um dispositivo de contravigilância, contra a intenção do poder de desdobrar uma inteligência panóptica. Assistimos à colisão de uma inteligência de servos, agentes a serviço do estado e empresas, com uma inteligência coletiva e distribuída, essa que temos visto nos movimentos-rede desde 2011. A dinâmica de Anonymous e Wikileaks se vê multiplicada pela potência transversal dessas multidões conectadas que se opõem aos planos do 1%.
Nessas condições, o sistema hierárquico de vigilância se revela como um ciclope incapaz de captar a complexidade de uma rede onde cada Ulisses é “ninguém”, onde navegam milhares de “ninguéns”. Contudo, não devemos confiar neles: ainda não conhecem as inovações que a inteligência coletiva está preparando, repetir as mesmas fórmulas de mobilização na rede e na rua nos faz previsíveis. É a inovação o que nos faz imprevisíveis.
A força brutal do Ciclope só pode ser contraposta se nos antecipamos a seus movimentos, se as milhares de “ninguéns” fazemos que se disperse em milhares e milhares de vigilâncias inúteis. Transbordando-a mediante a imensidade da rede, o contágio viral das ideias e os ataques relâmpago: se não podemos cegá-lo pela força, o faremos pelo cansaço. A rede é um campo de batalha, a partida está aberta, nossa inventividade é nossa vantagem.
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Javier Toret participa do Partido X e do laboratório de redes Datanalysis15m, Carlos Sánchez Almeida é advogado.