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HDP: o partido rebelde contra o autoritarismo de Erdogan

Por Bernardo Gutiérrez, no El Diário, em 13/6/2015| Trad. Pedro Grabois

HDP

Depois das eleições realizadas em 7 de junho na Turquia, uma manchete que já virou clichê está se disseminando pelos meios de comunicação europeus: “O Podemos turco irrompe no Parlamento”. O Partido Popular Democrático (HDP), que superou a barreira de 10% dos votos e obteve 80 deputados, está na boca de todos os analistas. A sua chegada à política turca foi fundamental para a perda da maioria absoluta do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), do presidente Recep Tayyip Erdogan. E representa os ares de uma nova política.

Talvez por isso, o bordão mais usado seja a comparação do HDP com a Syriza, na Grécia, ou com o Podemos, na Espanha. A conta internacional do partido, somando-se de alguma maneira à onda de mudança política que atravessa o sul da Europa, comparava Selahattin Demirtas (um dos líderes do HDP) com Alexis Tsipras (Syriza) e com Pablo Iglesias (Podemos).

Por outro lado, os analistas que negam qualquer virtude ao Podemos ou à Syriza fecham a porta à comparação, defendendo o HDP como um partido “curdo” e regionalista. Durante a campanha eleitoral, Erdogan, o até agora poderoso presidente turco, foi um pouco além em sua simplificação: associou constantemente o HDP com o terrorismo curdo. E minou por todos os meios o caminho dessa nova formação política surgida em fins de 2012.

Na semana anterior à eleição, duas bombas explodiram num encontro do HDP na cidade curda de Diyarbakir, de forma totalmente impune.“O AKP está criando uma atmosfera de medo. Houve várias dezenas de ataques a escritórios do HDP”, asseguravam, antes das eleições, membros da iniciativa partidária marxista-leninista Liberdade Social à revista Jacobin. A dicotomia forjada por Erdogan entre uma Turquia unida com mão de ferro e uma nova Turquia dividida parece não ter funcionado. E o medo frente ao separatismo curdo não mobilizou tanto como o desejo de mudança. O HDP teve êxito no Curdistão, onde o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi colocado na ilegalidade e considerado um grupo terrorista: ele conseguiu ali mais de 70% dos votos.A chave eleitoral do HDP teria de ser buscada em cidades turcas como Istambul, Ancara, Esmirna ou Bursa. Sem o apoio urbano do resto da Turquia, o HDP não teria conseguido os 13,1% dos votos e não teria entrado no Parlamento. Em cidades como Istambul, o HDP passou a ser a terceira força.

O que é exatamente o HDP turco? Serve alguma comparação com a Syriza ou com o Podemos? E com as revoltas de Gezi Park de 2013? Qual é o seu programa?

A República de Gezi

O mapa da República de Gezi, surgido durante o acampamento de Parque Gezi em Istambul, em maio de 2013, mostra como os coletivos curdos ocupavam um espaço considerável no parque. Os curdos de Gezi não estavam muito distantes de anarquistas, ecologistas ou ativistas LGBT. As semanas de convivência em Gezi fizeram mais pela causa curda em Istambul, segundo muitos de seus participantes, do que anos de militância no Curdistão.

Elif Genc, num texto de janeiro de 2014, destacou como durante a ocupação os habitantes da República de Gezi temporária se sensibilizaram diante do povo curdo: “Os jovens de classe média se deram conta de que a união de Gezi contra o autoritarismo e o neoliberalismo estava no DNA do movimento curdo nas décadas de luta contra o Estado turco”.

O processo do Parque Gezi e seu espírito de diálogo transversal foram vitais na evolução do HDP, que nasceu em outubro de 2012 enquanto instrumento político do Congresso Popular Democrático. Surgiu como partido irmão do Partido Democrático das Regiões (DBP), uma formação pró-curda e feminista. Pretendia funcionar como “guarda-chuva” desse Congresso Popular Democrático, formado por centenas de movimentos sociais, pequenos partidos, grupos anticapitalistas e simpatizantes da causa curda, entre muitas outras coisas. O #DirenGezi, a “resistência Gezi” que se espraiou por eixos transversais e regionais, transformou o HDP em algo mais do que um partido nascido nos movimentos sociais clássicos.

Para o politólogo Omer Tekdemir, o HDP se converteu num bloco pós-moderno com “agentes contra-hegemônicos, esquerdistas radicais, islamistas anti-status quo, leigos, feministas, militantes LGBT  e grupos ecologistas”. Seu objetivo prioritário não é outro senão representar as novas sensibilidades políticas e seduzir um grupo de votantes “mais amplo, colorido e multidentitário”.

Não basta conseguir o voto tradicional das esquerdas e dos movimentos sociais. Sua forma de organização também rompe os esquemas da velha política turca (e mundial). Conta com um sistema de copresidência: um presidente e uma presidenta. Desde junho de 2014, o líder curdo Selahattin Demirtaş e a socialista Figen Yüksekdag são os copresidentes. O HDP é regido por um sistema paritário entre homens e mulheres. E dispõe de uma cota de 10% para a comunidade LGBT.

O HDP seria, então, um novo instrumento político que acolhe uma plural diversidade de forças e sensibilidades. Na questão curda, o HDP não menciona apenas o povo curdo: participa inclusive das conversações de paz com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Existe um detalhe chave no processo do HDP e o eleitorado: a resistência em Kojava, região autônoma curda da Síria. “Tanto a insurgência de Gezi como a luta em Kobane (cidade de Rojava) se converteu em experiências de rejuvenescimento democrático e revitalização da esquerda socialista na Turquia e as aproximou de outros espectros sociais”, afirmam os membros do Liberdade Social.

Enquanto Erdogan apoia vários grupos insurgentes sírios para debilitar os curdos, os simpatizantes do espírito de Gezi e militantes do HDP consideram o processo de resistência e autonomia de Rojava como um ícone dos novos tempos.

Inclusão frente à segregação

No entanto, a novidade mais disruptiva do HDP teria que ser buscada em seu novo relato político. E segundo uma linguagem calculada, inspiradora e agregadora. O HDP, segundo Omer Tekdemir, encontrou  uma “linguagem política e filosófica mais efetiva e estratégica”. Os doze pontos elaborados por Selahattin Demirtaş e Figen Yüksekdag para ampliar os horizontes do HDP – um consenso poético de mínimos – são especialmente provocadores.

“Somos mulheres. Somos juventude. Somos arco-íris. Somos crianças. Somos defensores da democracia. Somos representantes de todas as identidades. Somos defensores de um mundo livre. Nós protegemos a natureza. Somos construtores de uma economia sustentável. Somos trabalhadores. Somos operários. Somos a garantia dos direitos sociais”.

Inclusão frente à segregação. Otimismo afirmativo frente à campanha do medo. Internacionalismo frente ao nacionalismo. “Não é apenas um êxito nosso: é a vitória de todos os povos do Oriente Próximo. Pensávamos que essa vitória mudaria o equilíbrio no Oriente Próximo”, assegurou, após as eleições, o vice-líder do HDP Selahattin Demirtas.

Apesar de algumas coincidências de estilo e objetivos com o Podemos ou com o Syriza,a explosão do HDP tem identidades e peculiaridades profundamente turcas. E bebe mais da insurgência do Parque Gezi e dos imaginários oriundos do #DirenGezi que do projeto político prévio. A escritora anglo-turca Alev Scott fala, em um artigo do The Guardian, de “despertar”.

“Durante os protestos de Gezi, acabei escrevendo um livro sobre o que eu, de maneira otimista, batizei como ‘Despertar turco’ (Turkish Awakening é o título de seu livro). Depois da baixa que se seguiu ao protesto, o título parecia uma escolha tristemente ingênua. Agora me envergonho de ter duvidado: é um despertar, os resultados o comprovam, e é tempo para atuar sobre ele”.


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