UniNômade

o que desejamos na Venezuela são eleições gerais e livres

Por Jeudiel Martinez, para a UniNômade | Trad. Silvio Pedrosa

Nós, o povo comum que inclui dissidentes chavistas e antichavistas, esquerda e direita. A transição do jeito que tem sido planejada desde 2014, segundo uma fórmula mais ou menos pinochetista, não nos interessa. Ela faria sentido apenas se for uma maneira para organizar a ajuda humanitária e a possibilidade de realizar eleições livres em que os próprios chavistas e demais agremiações políticas pudessem participar sem restrições, isto é, ao modo de uma fase preliminar da redemocratização e recomposição da sociedade. A seguir, teríamos eleições em todos os níveis do Estado: no poder executivo e legislativo, nos governos de estado e nas prefeituras, precedidas por uma renovação dos poderes eleitoral e judiciário. Um novo começo através das eleições e das eleições apenas. Para que o dispositivo eleitoral nos permita regular o conflito existente sem descambar para um conflito militar destrutivo e dissolvente.

Não precisamos de ainda outro governo com poderes extraordinários e sem legitimidade. Uma década já se passou desde que começamos a ser governados com base em decretos de emergência e seis anos desde que, na prática, temos um governo apoiado por apenas 25 ou 30% dos venezuelanos. Em outras condições, como fizeram Pinochet  no Chile e os sandinistas na Nicarágua, uma parte da “transição” poderia ser feita de dentro do poder através da negociação, mas não acreditamos que que isto seja possível ou conveniente aqui na Venezuela. Para aqueles dentre nós que não acreditam em salvadores ou legalismos, seria conveniente qualquer governo que possa, num período de 90 a 180 dias, acionar ajuda humanitária, renovar o judiciário e o poder eleitoral e organizar eleições presidenciais, assim impedindo explosões de violência nas ruas.

Nossa oposição é ao chavismo, enquanto projeto de captura e apropriação do público, do privado e daquilo que é comum, mas também é à classe política antichavista que que tem sido, quase sem exceção, uma peça integrada da tomada da república pela corrupção organizada. Nosso problema não se resume em trocar alguns políticos por outros, mas sim em alterar a relação entre o povo e os políticos — e com o Estado mafioso do qual eles participam — movendo-nos assim na direção de uma política democrática que ponha fim ao estado de exceção e às arbitrariedades, e que seja capaz de lutar contra a corrupção crônica da classe política por uma via pacífica e democrática, precipitando a dissolução desse estado mafioso que, desde a década de 1970, vem se tornando cada vez mais poderoso, violento e corrupto. Comissões da Verdade e investigações em larga escala serão necessárias para que possamos lutar e responsabilizar as duas alas da classe política corrupta que, na sombra da polarização política, decompôs o estado e privatizou a república. Mas tudo isso só será possível com a luta e a política democráticas, e não em um estado de dominação ou em meio à corrupção generalizada.

Dessa maneira, não se trata simplesmente de uma mudança do governo, mas de uma renovação do poder público e da república, por meio da luta contra a corrupção e a decomposição. Se as manobras dos Estados Unidos e de seu representante local, Juan Guaidó, criarem as condições para que tal processo possa ser iniciado, nos seria útil, pois a situação está longe de se estabilizar. Contudo, realmente, correríamos o risco de sermos pegos na armadilha do mecanismo destrutivo dos bloqueios econômicos, sendo tragados para planos que não conhecemos bem e dos quais não temos nenhum controle. Pior ainda, enfrentaríamos a possibilidade de uma guerra civil.

Se as pessoas comuns não se organizarem e constituírem elas próprias uma alternativa, continuaremos como espectadores de uma luta entre grupos políticos cujas agendas não conhecemos e não controlamos e que, como na Ucrânia, simplesmente representam diferentes interesses transnacionais. O que quer que aconteça nos próximos dias, a variável independente e curinga da situação, será o que a ação autônoma dos venezuelanos for capaz de produzir.

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