Entrevista de Stephen R. Shalom com Taras Bilous | No The Commons.ua, 16/02/2023 | Trad. Sindia Santos
Taras Bilous é um historiador ucraniano, um editor do Commons: Journal of Social Criticism, e um ativista do Sotsialniy Rukh (Movimento Social). Atualmente, ele está servindo no exército ucraniano. Abaixo segue a entrevista que ele concedeu a Stephen R. Shalom, membro do conselho editorial do New Politics. Denys Pilash ajudou com a tradução ao inglês. A entrevista foi republicada no portal The commons.ua e retraduzida ao português por Sindia Santos, da rede UniNômade.
imagem: novo emblema do regimento Azov /AfP.
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New Politics (NP): Como você avaliaria a influência das forças de extrema-direita na Ucrânia? Temos visto alegações que, por um lado, sugerem que a Ucrânia é um estado nazista, ou, por outro, que a extrema direita é um fator insignificante na vida ucraniana. Qual é a sua avaliação?
Taras Bilous (TB): Basicamente, sua influência eleitoral é abismal, é pequena, mas eles usam seus pontos fortes em outros campos, como nas ruas, para tentar influenciar as políticas. Sua influência extraparlamentar não deve ser diminuída nem exagerada.
NP: É verdade que a extrema direita tem a capacidade de impedir políticas de que não gosta, ameaçando com a violência?
TB: O exemplo mais significativo disso foi o chamado “protesto contra a capitulação”, o protesto contra as iniciativas de paz no final de 2019, após Zelensky ter sido eleito presidente. Este foi um esforço do direito nacionalista para impedir o início do processo de paz. Havia um acordo em três pontos, de que haveria uma retirada das tropas do que era então a linha de contato entre as forças ucranianas e as forças russas/separatistas no Donbas. Em seguida, pessoas do entorno do movimento Azov, e do partido Corpo Nacional [n.t. anteriormente, Patriotas da Ucrânia], encenaram uma campanha de protesto lá, sobre um dos pontos, apresentando a retirada como se representasse algum tipo de ganho para o Kremlin, como se apenas as tropas ucranianas fossem chamadas a se retirar deixando para trás as suas posições. Mas não era issoque a retirada exigia; exigia que ambos os lados se retirassem.
Contudo, mesmo nesse caso tão crucial para a direita, onde eles tentaram alcançar sua máxima mobilização para o protesto, não conseguiram emplacar o seu ponto de vista porque Zelensky interveio pessoalmente. Zelensky viajou para a linha de contato entre as forças no Donbas e entrou em discussões acaloradas com alguns membros de Azov, até que a Ucrânia de fato realizou o desengajamento do front, um pré-requisito para retomar a reunião no “Formato Normandia”, isto é, sob a mediação de França e Alemanha para sa tratativas entre Ucrânia e a Rússia. Portanto, mesmo neste caso, a direita não foi capaz de impedir a política do governo.
Não é apenas a questão de quanto esforço a extrema-direita coloque em suas campanhas que vá determinar se elas são bem sucedidas. É especialmente uma questão de como suas posições se alinham com a posição mais ampla da sociedade ucraniana em geral. Quando as suas demandas contradizem a posição da maioria da sociedade, é bem mais difícil para eles as realizar; ao contrário, quando estão apoiando a posição da população em geral, eles têm mais chance de influenciar as decisões do governo.
Alguns dos jornais ocidentais à esquerda fizeram parecer que Zelensky recuou em suas políticas por causa da pressão da extrema-direita. Mas eles não conseguiram frustrar as iniciativas de paz do governo, que tinham o apoio da maioria da população ucraniana. Zelensky sentiu que estava dotado de um mandato popular para realizar tais iniciativas. Na verdade, as pesquisas mostraram que a maioria dos ucranianos, embora apoiando o processo de paz, rejeitou algumas exigências políticas específicas cobradas pelo lado russo. E aqui Zelensky, seguindo a maioria, teve que recuar.
Nas áreas políticas em que as posições da extrema-direita não coincidiam com as opiniões de liberais e liberais nacionalistas, a extrema-direita não foi bem sucedida em sua pressão sobre o governo para realizar as políticas dela. Por exemplo, nas políticas de gênero ou questões LGBTQ, em que a direita se encontrava em minoria, não foi capaz de influenciar as decisões do governo.
NP: Você poderia dizer um pouco mais sobre o comportamento da extrema direita em relação às feministas e às pessoas LGBTQ? E qual é o papel da polícia e das forças de segurança ucranianas para lidar com isso?
TB: Grupos de extrema-direita antes da guerra tentaram ativamente interromper diferentes eventos promovendo os direitos das mulheres e dos LGBTQ+. Aqui pudemos ver como a reação do Estado e da polícia estavam fortemente dependentes se o evento tinha muita cobertura internacional, como, por exemplo, a parada do Orgulho em Kyiv ou as manifestações femininas do 8 de março. Neste caso, as autoridades e a polícia buscaram evitar os ataques pelaextrema-direita. Entretanto, em eventos menos conhecidos pelas províncias, em algumas cidades e vilas menores, tais eventos também foram ativamente atacados pela extrema-direita, e nesses casos a polícia permaneceu de braços cruzados, sem fazer nada. Assim, nos últimos casos, a extrema-direita teve mais sucesso em atacar e interromper os eventos.
Havia um fenômeno geral de infiltração da extrema-direita nos serviços de segurança e de aplicação da lei, mas é difícil medir até que ponto isso tenha ocorrido. Conhecemos alguns exemplos principais, por exemplo, o chefe local da polícia de Kyiv veio de um passado com os Azov. Quando tivemos enfrentamentos entre ativistas de esquerda e de extrema-direita, várias vezes vimos a polícia cumprimentar alguns dos ativistas de extrema-direita, revelando que eram familiarizados uns com os outros. Isto mais uma vez dava a entender que havia algumas conexões. Mas, na verdade, parece que não era tão difundido assim.
Mesmo nos casos em que a polícia não faz nada para evita ataques a feministas e outros eventos progressistas, isso não significa automaticamente que os policiais são omissos ou coniventes porque sentiriam uma afinidade pelos agressores, ou porque tenham conexões diretas com eles. A polícia não está cumprindo a sua missão principal, que é proteger os encontros e manifestações pacíficas, mas não tanto porque esteja do lado das agressões, mas sim porque se abster e não fazer nada lhes traz menos problemas. A defesa ativa de um evento LGBTQ+, por exemplo, pode levar a ataques da extrema direita à própria polícia, ferindo policiais. Portanto, para evitar uma briga com os grupos de extrema-direita, é mais fácil para os policiais simplesmente não fazerem nada. E prisão da extrema-direita levará a ainda outras mobilizações da extrema-direita, organizando um piquete fora da delegacia, e pressionando a polícia. A polícia busca ter menos problemas, portanto, muitas vezes é mais fácil para os policiais insistir que os organizadores cancelem os eventos, do que entrar em confronto contra a extrema-direita. É claro que isto significa o fracasso da polícia em cumprir seu dever de proteger a liberdade de reunião e manifestações. Os policiais estão se comportando de forma semelhante de casos de conflitos com altos funcionários ou outras pessoas que possam vir a criar problemas para eles.
Essa situação estava melhorando, porém, após a remoção do Ministro do Interior Arsen Avakov, que era amplamente visto como um patrono do Corpo Nacional e de outros grupos de extrema-direita. Depois que Avakov deixou o cargo em 2021, houve uma sequênciade prisões de ativistas de extrema-direita, e pudemos perceber uma melhoria geral da situação, além de tendências mostrando que a influência da extrema-direita nos serviços de segurança estava diminuindo.
Mas a situação pode ser diferente no caso dos ditos guardas municipais. As guardas são estruturas paramilitares que foram criadas em algumas cidades ucranianas como auxiliares das forças policiais, em muitos casos com um estatuto legal bastante dúbio. A extrema-direita tentou aparelhar a guarda municipal a fim de empregar veteranos da guerra do Donbas.
Infiltrada na guarda municipal de Kyiv e em alguns outros lugares, a extrema-direita na verdade terminou desempenhando papéis importantes. Eles eram responsáveis perante as autoridades locais, a liderança municipal, os prefeitos, mas ao mesmo tempo mantinham um estatuto legal bastante questionável. Foi uma oportunidade que a extrema direita aproveitou para ganhar mais influência. Em outras cidades, porém, a extrema-direita não estava presente na formação das guardas municipais. Em vez disso, as guardas eram geralmente compostas por atletas e costumavam ser apenas servidores leais às elites locais, quase como no feudalismo.
NP: Qual era a relação entre a esquerda ucraniana e a direita ucraniana antes da guerra?
TB: Bem, obviamente, a nossa atitude [esquerda] era diretamente oposta à deles, e permanecíamos em perpétuo enfrentamento com eles. Mas podemos dizer que a guerra no Donbas, quando começou em 2014, contribuiu para o declínio da força dos movimentos de esquerda, ao passo que a extrema-direita se tornou mais poderosa nas ruas. A esquerda entrou em declínio. Na verdade, nos confrontos com a extrema-direita, o melhor resultado para nós foi geralmente um empate. Porém, nos últimos anos, houve alguma reversão das tendências, com um renascimento do movimento antifascista de rua e algumas vitórias antifas à esquerda. Portanto, havia alguns sinais de que a situação de avanço da direita estava mudando de direção.
NP: Voltando a fevereiro de 2022, como a guerra em larga escala afetou a influência da extrema-direita?
TB: Não é uma tarefa fácil responder a esta pergunta, porque com a guerra a vida política na Ucrânia foi colocada em suspenso. É bastante complicado prever qual será a situação depois da guerra, pois depende muito do resultado da própria guerra.
Então, o que mudou com a guerra? Muitos participantes das forças de extrema-direita, a maioria deles foi para as forças armadas da Ucrânia. Alguns permaneceram nas organizações, e algumas vezes fizeram algumas coisas controversas detrás das linhas – mas geralmente foram criticados por isso pela opinião pública em geral. Assim, por exemplo, quando a extrema-direita fazia suas atividades habituais e tentava atacar e desacreditar um protesto feminista em Lviv, contra a violência doméstica, na verdade, o tiro saiu pela culatra porque não encontraram mais apoio popular. Pelo contrário, a cobertura do episódio foi favorável às ativistas feministas e às organizações de apoio, incluindo as nossas, até mesmo de uma influencer do YouTube e em alguns meios de comunicação de massa. Portanto, podemos dizer que este tipo de atividade de extrema-direita não é mais bem tolerada detrás das linhas do front.
Isto é realmente muito importante, porque foi precisamente a fraqueza da resistência à extrema-direita, a atitude acrítica em relação a ela, tanto na grande mídia quanto de uma parte significativa do público moderado, que abriu espaço à extrema-direita ucraniana, tornando-se sua vantagem. As direitas souberam usar com habilidade a auréola de “heróis”, que haviam vencido na Maidan em 2014 e em seguida na guerra no Donbas, para se blindarem das críticas.
Na verdade, se você avaliar o poder da extrema-direita ucraniana em termos absolutos, ela nunca alcançou um recorde. Todos sabem de sua fraqueza eleitoral, mas mesmo quando estamos falando de mobilizações de rua, a extrema-direita polonesa é definitivamente mais forte do que seus “colegas” ucranianos. Para entender isso, basta comparar a cada ano as maiores marchas de rua — de 14 de outubro na Ucrânia e de 11 de novembro na Polônia. Em termos da escalada da violência, a extrema-direita ucraniana também está paralisada quando comparada com o que a extrema-direita russa fez nos anos 2000, amiúde sob a conivência e cobertura dos serviços especiais russos. De fato, os neonazistas ucranianos agiram na Maidan à sombra e sob a influência dos neonazistas russos. A principal diferença na situação ucraniana pós-Maidan não está em algum poder absoluto da extrema-direita, mas em seu poder relativo quando comparado a outros atores políticos, bem como na atitude acrítica do grande público, moderado, em relação a ela.
Porém, nos últimos anos, a opinião pública vem mudando, e esta foi uma das razões pelas quais o grupo antirracista e antifascista Arsenal (Kyiv) ousou ressurgir do subterrâneo para desafiar novamente a extrema-direita. Em 2014-2018, quando dos choques entre a esquerda e a direita, a opinião pública não estava do nosso lado. Contudo, durante as lutas no verão de 2021, a extrema-direita se tornou os vilões da história nas narrativas da grande mídia. Parece que depois da guerra essa tendência continuará, porque a extrema-direita não será mais capaz de se defender das críticas como antes.
NP: Mas por que o heroísmo [de Azov] em tempo de guerra, por exemplo, no cerco a Mariupol, não lhes permitirá blindar-se das críticas?
TB: O heroísmo os protege. Mas somente enquanto uma unidade militar. Isto não se transfere para a extrema-direita enquanto um ator político. Nos últimos anos, a sociedade ucraniana percorreu um longo caminho para amadurecer o entendimento de que o heroísmo de quem está no front não pode se converter em salvo-conduto para quem quer cometer crimes e violações dos direitos humanos na retaguarda. Embora em algumas outras questões durante a guerra em larga escala tenha havido um agravamento da situação, nesta questão em particular, eu não vejo um retrocesso.
Além disso, depois desta guerra, haverá veteranos oriundos de todos os setores da população e de ambos os lados dos conflitos políticos. Agora, há voluntários militares mesmo entre os ciganos, o grupo mais discriminado da sociedade ucraniana – apesar de que a participação na guerra vá contra as suas próprias tradições. Se, em 2018, a extrema-direita conseguiu protagonizar um conjunto de pogroms contra os ciganos, sem com isso trazer consequências graves para eles mesmos, agora isso já não será mais o caso.
Mas existe uma categoria de pessoas que não será capaz de se proteger desta mesma forma, que são os residentes pró-russos de Donbas e Crimea. Portanto, é necessário que as organizações internacionais tomem a iniciativa para proteger os direitos humanos nesses territórios.
NP: Vejamos a questão do regimento Azov. Quão significativos eles são? Eles são uma força militar independente? Eles têm seus próprios símbolos de extrema-direita? E, para perguntar sobre uma questão que foi levantada pela esquerda nos EUA, a ajuda militar americana à Ucrânia está realmente armando as unidades neonazistas?
TB: O regimento Azov foi integrado dentro da Guarda Nacional, dentro das estruturas oficiais, mas ainda assim manteve algum nível de autonomia. Houve alguns passos para controlá-lo pelos oficiais ucranianos, tais como a mudança de sua liderança, mas Azov ainda manteve seus laços com seus fundadores, como Andriy Biletsky, e até mesmo a sua própria Escola de Sargentos.
A maioria do regimento original de Azov estava em Mariupol, e muitos deles foram feitos prisioneiros. Alguns voltaram em trocas de prisioneiros, mas a maioria ainda está em cativeiro na Rússia, enquanto os comandantes estão internados na Turquia. No entanto, o regimento foi reabastecido com novas pessoas e continua a recrutar. Não sei dizer o quanto eles teriam conseguido restaurar da estrutura [de antes da queda de Mariupol].
O mais importante após a invasão em grande escala é que as pessoas ligadas ao movimento Azov também formaram várias outras unidades, como unidades de defesa territorial, por exemplo, usando a marca Azov. A maior delas, a unidade das Forças de Operações Especiais Kyiv Azov, foi convertida em uma brigada de assalto no final de janeiro. Assim, em geral, em comparação a 2014 ou 2021, em números absolutos, agora são muito mais indivíduos de extrema-direita unidos aos militares, e muito mais pessoas estão servindo nas unidades que as direitas criaram. Mas ao mesmo tempo, em termos relativos, eles estão desempenhando um papel menor na guerra do que em 2014, porque o exército em geral cresceu e modernizou-se muito mais.
Mas é importante entender que não apenas os indivíduos de extrema-direita servem nas unidades criadas pela extrema-direita. Em contrapartida, você também pode encontrar a extrema-direita em unidades “regulares”. É difícil determinar as proporções em um ou noutro caso, mas pessoas apolíticas ou de centro muitas vezes servem em unidades de extrema-direita, motivadas pelo alto nível de treinamento e disciplina que se encontra nessas unidades. Quando você se alista em uma tropa de combate, primeiro pensa em suas chances de sobrevivência, nas condições nas quais vai prestar o serviço, na competência dos oficiais e na confiabilidade de seus companheiros soldados. Nessa ocasião, os pontos de vista políticos são relegados a segundo plano. O que acontecerá com estas unidades e as pessoas que nelas servem após a guerra depende dos resultados da guerra e da situação política geral na Ucrânia.
O que eu vejo com os meus próprios olhos é que a situação hoje não é comparável com a de 2014. Naquela época, o nível de controle do Estado sobre as unidades militares que foram criadas era mínimo. Tudo era muito caótico. Eu até conheço a história de como, em 2014, um voluntário roubou todo um porta-aviões blindado e o levou do Donbas para a Ucrânia Ocidental. Hoje, porém, há um controle rigoroso sobre a distribuição de armas, mais controle sobre essas unidades separadas e, pelo que sei, nenhuma das unidades menores recentemente fundadas goza de um nível de autonomia comparável ao que o Azov desfrutava em anos anteriores. Portanto, na verdade, a situação é qualitativamente bem diferente do que era há oito ou nove anos.
Para ilustrar o controle estatal mais rigoroso sobre as unidades militares e sobre a distribuição de armas, vou citar a minha própria experiência. Meu batalhão anterior foi dissolvido e eu fui transferido para outro em nossa brigada. Quando o batalhão foi dissolvido, descobriu-se que vários fuzis AK-47 Kalashnikovs estavam desaparecidos. Isto desencadeou uma reação imediata das forças da lei. O Ministério Público Militar iniciou um inquérito militar e abriu processos por crime militar contra os oficiais que eram responsáveis pelo controle de armas do batalhão. Isto demonstra como o Estado tenta controlar de forma rigorosa para onde vão todos os armamentos e equipamentos recebidos, com a finalidade de que não acabem nas mãos de indivíduos não autorizados. Este é um dos aspectos do controle mais estrito do Estado sobre diferentes unidades armadas.
Em relação à noção de neonazistas armados pelo Ocidente, e assim por diante, as armas são distribuídas mais ou menos uniformemente entre as diferentes unidades. Portanto, pode haver algumas pessoas de extrema-direita, pessoas com visões de extrema-direita, em algumas unidades, mas não lhes é dado especificamente este armamento. Além disso, dado o controle mais rigoroso que descrevi, isto significa que as armas serão confiscadas após a guerra, retomadas pelo Estado.
Portanto, mais ou menos todas as pessoas que se juntaram às forças armadas são mais ou menos iguais em seu acesso a armas diferentes. E obviamente não é o caso que o armamento pesado do Ocidente esteja sendo direcionado para unidades de extrema-direita. É que as unidades comuns estão recebendo as armas, e talvez tenham em suas fileiras algumas pessoas com opiniões de extrema-direita, bem como pessoas com todas as outras crenças. Portanto, não há um armamento específico da direita.
Em relação aos símbolos da direita, em 2015, sob pressão das autoridades, Azov removeu o Sol Negro de sua insígnia e colocou o emblema em um ângulo para se distanciar dos símbolos da extrema-direita. No ano passado, o afastamento dos símbolos da extrema-direita continuou — as unidades recém-criadas de Azov usam três espadas, em vez do símbolo original do regimento Azov. A nova brigada usa um símbolo criado com base no emblema anterior, mas que não tem quase semelhança com o Wolfsangel [literalmente, “Gancho para lobos”, símbolo heráldico alemão medieval depois adotado pelo Partido Nazista].
Por outro lado, no exército agora muitos soldados e até oficiais de patente inferior que usam vários emblemas militares não-oficiais. As pessoas compram de comerciantes em lojas não autorizadas, de maneira sem controle. Eles são frequentemente humorísticos, com inscrições do tipo: “navio de guerra russo, vá se danar!”. Mas às vezes aparecemsímbolos de extrema-direita nestes adesivos, como o Wolfsangel ou o Totenkopf [símbolo da caveira]. Encontrei casos em que as pessoas usavam emblemas com símbolos de extrema-direita, mas não tinham absolutamente nenhum entendimento de sua origem e significado. Um rapaz tirou da roupa o símbolo do Sol Negro quando um anarquista de minha antiga unidade lhe explicou o que significava e lhe mostrou o artigo da Wikipedia. É claro que aqueles que começaram a usar estes símbolos na Ucrânia entenderam bem o que significavam. Mas agora, se você vir alguém com um símbolo de caveira, ele pode pensar que é apenas um crânio e ossos. Portanto, só porque as pessoas usam tais símbolos não indica que as pessoas estão apoiando seu significado originário de extrema-direita.
NP: Volodymyr Ishchenko, em um recente artigo na New Left Review, argumentou que a Ucrânia em tempo de guerra, ao contrário de outras lutas anticoloniais, tornou-se cada vez mais neoliberal, não mais democrática, nem com um estado intervencionista, e nem menos corrupta. Você acha que ele está correto, e estas são indicações da força crescente da extrema direita?
TB: Não vejo qualquer relevância desta pergunta para o tema da extrema direita. De qualquer forma, há dois aspectos distintos: um é sobre tendências antidemocráticas e autoritárias; o outro sobre políticas sociais e econômicas. Com relação às tendências antidemocráticas, na verdade não podemos dizer que todos os movimentos de libertação nacional anteriores eram imunes a isso. Pelo contrário, a guerra geralmente evoca as tendências mais autoritárias e menos democráticas de uma sociedade, e isto se aplica a muitos dos movimentos de libertação na Ásia e na África, em função das condições reais de travamento das lutas. Portanto, sim, obviamente a guerra aumenta as possibilidades de tendências autoritárias, e pode ser instrumentalizada pelas autoridades do Estado, pelo governo. Mas se isto levará a mais autoritarismo dependerá mais do curso e do resultado da guerra. E não está claro como a extrema-direita reagirá a isto: se tentará de alguma forma se adaptar, apoiando a tendência antidemocrática, ou se, ao contrário, será vítima do confronto com um governo mais autoritátio. Portanto, na verdade, há muita coisa que não está dada, devido ao resultado ainda pouco claro da guerra em curso.
Quanto às políticas sociais e econômicas, mais uma vez, não podemos dizer que temos um quadro claro. Porque, por um lado, temos mantras neoliberais e a liberalização das relações de trabalho e dos mercados de trabalho. Mas, por outro lado, existem razões objetivas que levam o governo ucraniano — mesmo que discursivamente esteje falando de privatização — a realizar várias nacionalizações de setores estratégicos, nacionalizando até mesmo algumas grandes empresas, fábricas ligadas ao setor militar/bélico, ao setor de geração e transmissão de energia e assim por diante. Além disso, no curso da reconstrução depois da guerra, os fundos serão distribuídos através do Estado. Portanto, a proporção do PIB que se concentra nas mãos da decisão do Estado aumentará, isso é claro, tanto por causa das nacionalizações como pelo controle dos fundos necessários à reconstrução. Portanto, na guerra, não podemos dizer que exista uma tendência clara e unidirecional.
Escrevi uma thread no twitter sobre a natureza de classe do governo Zelensky e defendo que represente principalmente os interesses da médio burguesia, da burguesia clássica em oposição à classe trabalhadora e ao capital oligárquico. Assim, por um lado, eles são ávidos e ativos em pressionar pela legislação anti-trabalhador, de cunho neoliberal. Mas ao mesmo tempo eles também estão interessados em subjugar o poder dos oligarcas. Na verdade, a guerra já perturbou o nível de influência oligárquica na Ucrânia. Portanto, mais uma vez, o resultado da guerra influenciará fortemente tanto a política quanto a economia do país. Apesar de sua ideologia professada ser neoliberal, as autoridades foram forçadas a dar alguns passos contrários a suas posições ideológicas, a fim de criar uma economia de guerra.
NP: Finalmente, gostaria de perguntar o seguinte. Há um amplo apoio na Ucrânia para resistir à invasão russa, da esquerda para a direita. Mas de que forma a posição da esquerda na guerra difere da da direita, em termos de objetivos e estratégia?
TB: Há algumas distinções bastante óbvias nas visões nossas e deles sobre o futuro da Ucrânia no pós-guerra. Obviamente, a esquerda quer um país mais socialmente engajado e orientado, mais pluralista, mais democrático, mais inclusivo, enquanto a extrema-direita, os libertários [libertarians] e os conservadores defendem posições opostas. Há ainda a questão da autodeterminação, e isto se torna um pouco mais complicado. Quando passamos a considerar as questões da Crimea e do Donbas, no campo da esquerda não há uma única posição consolidada, mas um espectro de visões em variação. Também não temos nas esquerdas um consenso sobre a ligação com a União Européia e a OTAN.
A invasão russa em larga escala suavizou parcialmente os conflitos anteriores entre os vários esquerdistas na Ucrânia, já que, na questão mais importante, a maioria absoluta da esquerda ucraniana tomou a mesma posição de apoio e participação na resistência. Mas as questões que dividiram a esquerda ucraniana no passado ainda não desapareceram.