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Dez pontos-chave da inovação de #Manuelamania

Por Bernardo Gutiérrez, no Yorokobu | Trad. UniNômade

Dez pontos sobre a campanha meteórica de Manuela Carmena, provável vencedora das eleições municipais no domingo na capital da Espanha, pelo Ahora Madrid, plataforma municipalista inspirada pelo Barcelona en comú e outras experiências organizativas inovadoras pós-15M.

Manuela

A #ManuelaManía conquistou as redes sociais. Manuela Carmena, candidata da frente cidadã #AhoraMadrid às eleições municipais de Madri, passou de desconhecida a ícone pop. A onda de criatividade — pôsteres, ilustrações, vídeos, música — deram muito o que falar nas mídias. Mas a explosão deste manuelismo em rede tem muitas camadas, detalhes tecnológicos e estratégias inovadoras que vão mais além da criação artística.

Há duas décadas, trabalho com tecnologia, internet e redes. E confesso que não tinha visto uma campanha tão surpreendente em nenhuma eleição. O #YesWeCan que catapultou Barack Obama em 2008 foi um primeiro case de estudo de mobilização e política do tipo do it yourself (DIY), que incentiva a auto-organização dos militantes. A onda verde do candidato ecologista Antanas Mockus, que quase o levou à presidência da Colômbia em 2010, superou em efervescência o #YesWeCan.

Apesar disso, nenhum dos dois casos chega sequer perto do fenômeno explosivo de Manuela Carmena, impulsionado em parte pelas campanhas independentes da cidadania, como o Movimento de Libertação Gráfica de Madri ou Madri com Manuela. Neste artigo, analiso em dez pontos as inovações formais, tecnológicas, narrativas e estratégicas do ecossistema de campanhas de Ahora Madrid:

1. Isto não é um partido. O formato “confluência” passará à história como uma das primeiras formas pós-partido. Desde o surgimento de EnRed em Madri, até a consolidação de Ahora Madrid, todo um processo.aconteceu. Do EnRed passamos ao Municipalia. Deste, na sequência do Guanyem Barcelona [atual Barcelona en Comù],  ao Gañemos. A negociação desta iniciativa cidadã com diferentes partidos tinha um ponto inegociável: o resultado final não poderia ser, simplesmente, um partido político. Tampouco uma simples frente ou coalizão política. O sistema de escolha dos candidatos deveria passar pelas primárias. O formato “confluência” de Ahora Madrid, uma fórmula que soma e multiplica sem descanso, agrega e não compete com aliados, é uma novidade no panorama político mundial.

2. Programa participativo. O programa de Ahora Madrid foi cultivado em rede de maneira colaborativa, apelando à inteligência coletiva de que fala o filósofo francês Pierre Levy. Diretamente inspirado na ferramenta Propongo, que por sua vez inspirou ferramentas de wikigoverno na Islândia, a plataforma programa.ahoramadrid.org tem um formato “agregador”. Qualquer pessoa pode enviar propostas durante meses à dita plataforma. As propostas, que são votadas pelos usuários, se dividem entre Mais Votadas, Mais Consenso e Mais Debatidas. A plataforma está baseada em software livre e aproveitou o código fonte de Gañemos Zaragoza.

3. Autofinanciamento. Ahora Madrid renunciou a financiar-se com empréstimos bancários. Por isso, colocaram em marcha uma campanha de microcréditos e doações de particulares, funcionando com a hashtag #FinanciaMadrid na plataforma financia.ahoramadrid.org. A iniciativa abre um caminho quase inédito na Espanha entre as formações políticas.

4. Do boca à boca ao peer-to-peer. A filosofia de Ahora Madrid, com uma carência estimada de 150.000 euros, 100 vez menos do que o financiamento dos outros partidos, tem em seu DNA formador a filosofia DIY, o tão falado “faça você mesmo”. Aliás, se aposta agora no mais contemporâneo “faça isso com os outros” (DIWO). Você é a campanha tem sido o lema/método. A filosofia do boca à boca mais clássico, que se encaixa totalmente com o denominado peer-to-peer, se disseminou por redes e territórios. De par a par, de boca à orelha, de bicicleta à bicicleta. A plataforma independente Madrid com Manuela, uma das responsáveis pelo transbordamento criativo e subjetivo, lançou várias iniciativas para convencer de maneira pessoal a amigos e familiares. A primeira foi: “1 = 10“, para que cada um traga para a causa dez amigos ou familiares. A segunda apela para que se contasse sobre a campanha aos outros, à mãe, pai, amigos… como uma estratégia.

5. Auto-organização. A auto-organização de diferentes coletivos, redes, movimentos cidadãos ou fluxos espontâneos foi a tônica da reta final da campanha. O surgimento do Movimento de Libertação Gráfica de Madri e da plataforma Madrid con Manuela, articulados de forma independente a partir da sociedade civil, trouxe outra chave: a campanha de Ahora Madrid é um ecossistema, uma malha em que a mensagem não está centralizada pelas contas das plataformas oficiais. Os “processos emergentes” de que falava Steve Johnson, ou os “arranjos humanos” formulados por Kevin Kelly, em seu clássico Out of control, floresceram na reta final da campanha de Ahora Madrid, de maneira surpreendente.

6. Candidata apropriável. Atreva-se a ser Manuela. Be Manuela, be a hero, #SomosManuela. As redes e as diferentes camadas das campanhas transformaram a candidata Manuela Carmena numa coisa apropriável por muitos. Tom Himpe, em La publicidad de vanguardia (bíblia do novo marketing), destacava o “seja possível” como uma das tendências do novo século. Por outro lado, a identidade coletiva das teorias e práticas da multidão e da era da rede estão muito presentes na #ManuelaMania. As campanhas oficiais de Ahora Madrid jogaram à perfeição com isso. A plataforma AhoraManuela.org, que usava o Ahora Tú, apostou em criar uma candidata apropriável.

No vídeo Alcaldes Vosotros, em que cidadãos se colocavam máscaras de Manuela Carmena, também era apontada a identidade coletiva. As máscaras e caretas de Manuela Carmena distribuídas pela plataforma Madrid con Manuela e a hashtag #SomosManuela (que foi tendência na Espanha durante oito horas e em vários países do mundo) também foi nessa direção. Especialmente disruptiva foi a comunidade de Facebook Dou minha cara a tapa por Manuela, que incentivava a troca de fotografias dos perfis pessoais por ilustrações ou fotos de Manuela Carmena.

7. Transmídia. Já correu muita água por debaixo da ponte desde que Henry Jenkins publicou o livro Convergencia Cultural. Em 2006, o storytelling transmedia (algo assim como uma narrativa multiplataformas) começava o seu trajeto do cinema aos videogames, televisão e blogues. Apesar disso, com a massificação das redes sociais, os smartphones e os territórios híbridos (internet e espaço físico), a transmídia ganhou novas dimensões. A #ManuelaMania usou técnicas sofisticadíssimas de transmídia e multicamadas (um termo bastante em voga).

A partir do Twitter, se incentivava a participar em grupos de Facebook; do Facebook, por sua vez, se buscava a transversalidade entre as plataformas; desde WhatsApp ou Telegram se tinham viralizado conteúdos em grupos, do Youtube se deu um salto à televisão, do Soundcloud (algumas canções compostas exclusivamente para a campanha) Manuela Carmena chegou às emissoras de rádio… Do Instagram se conecta a outro perfil de usuário, mais jovem e com outras plataformas. O perfil que alguém abriu em Tinder, de uma Manuela Carmena de 21 anos que envia um mensagem convidando a votar, é uma das iniciativas mais surpreendentes: “Não sou Manuela Carmena mas estou aqui para conhecer gente. Somente queria contar a você que no domingo podemos começar a mudar muitas coisas em Madri.”

A remistura, outra das característica da convergência cultural segundo Henry Jenkins, tem sido um dos métodos mais explorados: Chuck Norris cansado do debate em Telemadrid, “A liberdade guiando o povo” de Delacroix em versão castiça, as capas dos discos dos Sex Pistols com Manuela, cartazes de filmes famosos… Nem os personagens de Star Wars se livraram das remisturas manuelistas… Remistura e culture jamming em estado puro.

8. Territórios. O caminho ao MundoReal (TM), segundo um já mítico artigo de @Ciudadano_Zero, é árduo. Pensar que uma viralização nas redes digitais é suficiente para ganhar uma campanha é uma miragem. “Se chegar somente até aqui, não está conseguindo uma verdadeira viralidade, senão simplesmente endogamia”, afirma @Ciudadano_zero. O componente territorial de Ahora Madrid é um de seus grandes acertos. Por um lado, o ecossistema de nós de Ganhemos herdou um tecido social do 15-M nos bairros.

Antes do início da campanha, Ahora Madrid estava realizando encontros nos bairros. E em todas as campanhas lançadas, o território tem sido uma plataforma central. #ProyectoresConManuela projeta imagens da candidata de Ahora Madrid. Madrid  con Manuela organiza sprints para colar cartazes e procissões com criações gráficas, e incentiva pessoas que falem com seus vizinhos no MundoReal (TM). Existe, inclusive, um mapa no GoogleMaps chamado Manuela y tú, em que se mapeiam ações pró-Manuela.

9. Ruptura simbólica. A irrupção da criatividade na campanha cidadã em apoio à Ahora Madrid ativou algo chave em qualquer campanha: a emotividade. A cor e o aroma do Hino à Manuela Carmena, minha prefeita, “uma adaptação rumotrônica-easylisteningliungelizard do hit de Julius Church”, desmonta qualquer narrativa antagonista contra a candidata. A canção Manuela, de Belén Coca, uma remistura do clássico de Julio Iglesias, também desorganiza a campanha dos partidos clássicos, em que o ataque e a projeção do negativo sobre o rival é habitual.

A disrupção simbólica das toneladas de criações gráficas geradas ao redor de Manuela Carmena tem um calculado intento de dar a volta no estado anímico da Espanha da crise. Manda o otimismo, o entusiasmo, o coletivo, o desejo de mudança. O evento Festão pela democracia em Madrid, que se abebera transversalmente do “se não posso dançar não é a minha revolução” de Emma Goldman, supõe um chega-pra-lá na política clássica.

Convocado para o domingo, 24, às 22 horas, convida a dançar em cada praça, a dançar por Manuela: “O rumor já manda sinais. A nossa vingança será sermos felizes. No próximo #24M começa a mudança. Dança na sua praça. Dança por Manuela. Venha com amigos. Leve confete. E purpurina. Um ingrediente básico: entusiasmo. O Festão durará quatro anos (e os que virão).”

10. O meme não é a mensagem. Jason Rowan, autor do livro Memes, inteligência idiota, política rara e folclore digital, é uma entrevista recente, fala da importância dos memes na atual campanha: “A memesfera cria um rumor constante ao redor dos debates, personagens ou eventos que acontecem na política formal.” Joss Hand, em seu artigo O meme não é a mensagem, alerta sobre a insuficiência dos memes virais para a consecução de objetivos sociais ou políticos. O meme cumpre a sua função catártica e disruptiva, mas, em palavras de Joss Hand, “são necessários movimentos alternativos que possam comprometer-se com uma contraofensiva em longo prazo, para influenciar a opinião pública.”

As campanhas da #ManuelaMania desenharam uma dupla camada de memes e mensagens em longo prazo extremamente efetiva. Julio Iglesias projetado numa parede pedindo o voto a Manuela (que era o título de uma canção sua) é um meme que rompe o dissenso contra Ahora Madrid e torna visível a nova camada de significados, propostas e expectativas, escondidas pelo telão dos grandes meios de massas.

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