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Séries americanas

André Markowicz, 2 de março de 2025

Tradução: Felipe Fortes

O que me vem à mente é uma série de ficção científica que assisti não sei mais quando — a história de uma sociedade humana (quero dizer, americana, já que, para os EUA da televisão e sem dúvida não só para a televisão, o mundo inteiro sempre foi americano) governada por alienígenas e um grupo de colaboradores humanos, que encontram vantagem em exercer um poder de fachada.

Que Trump seja um “asset”, um agente, pago ou não, por Putin, agora, me parece absolutamente claro. E que ele não existe, também me parece absolutamente claro — quero dizer que ele não existe como uma entidade autônoma; ele é totalmente, inteiramente, a voz do seu mestre. E foi exatamente isso que vimos: a tomada de poder dos EUA pela Rússia de Putin, pelos serviços de Putin — sem resistência, sem derramar uma única gota de sangue russo em solo americano. Os EUA, ou melhor, todos os serviços vitais do Estado federal foram tomados, e imediatamente começou o apagamento dos rastros dessa tomada de poder. Porque a primeira decisão da Procuradora-Geral, a Ministra da Justiça nomeada por Trump, foi justamente eliminar todas as comissões ligadas, de uma forma ou de outra, ao controle da influência estrangeira nos EUA. Sim, essa foi, pelo que entendi, sua primeira decisão, no exato dia em que assumiu o cargo (eu quase disse “o poder”). Sim, realmente como uma série de ficção científica.

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Fiquei chocado, evidentemente, com a cena no Salão Oval. Mas o que mais me espantou não foi a atitude de Trump e Vance com Zelensky, não — foram os insultos lançados pelos dois comparsas contra Biden e Obama, chamando-os de “estúpidos” e, pelo tom, mesmo que eu não tenha ouvido a palavra, ficou claro que queriam dizer “babaca”. Nunca tinha visto um presidente em exercício, diante da imprensa nacional e internacional, e na presença de um chefe de Estado estrangeiro, insultar seu antecessor (que ele poderia odiar em particular, algo mais que comum) o chamando de cretino. Porque a questão não é a pessoa, mas a função, e o próprio Estado. O que essa raiva aberta, essa fúria espumante contra Biden e Obama dizia era precisamente que, para eles, o Estado não existe. Não existe mais. O que vimos ali foi uma cena mafiosa, um rito de submissão, de humilhação pelo qual todos que têm direito a uma cadeira ao lado devem passar — e havia líderes que se deixaram insultar e outros que, de uma forma ou de outra, resistiram. Quem menos resistiu foram os homens do sistema, os verdadeiros diplomatas, os políticos profissionais — e Macron tentou reagir, bem ou mal, tanto faz no caso, mas não deixou Trump dizer tudo o que queria. Zelensky não deixou nada ser dito. Ele quebrou o ritual, ao vivo.

É claro que ele estava em desvantagem — de todas as formas, inclusive pelo inglês. Mas foi justamente essa fragilidade, e essa firmeza, em um momento em que o que estava em jogo era a vida da Ucrânia (e a sua própria vida), que revelou, ao que me parece, uma força e, digo mais, um heroísmo que fez explodir Vance (Trump, por sua natureza, está fora do jogo — Trump, mais uma vez, não existe; ele está ali apenas para ser o boneco inflável dos outros, os únicos que contam são Musk e Vance). Porque Zelensky não demonstrou “gratidão” pelo poder que o abandonava e, além disso, o extorquia como preço por esse abandono. Ele não veio beijar a mão do “chefe”. O que desapareceu, nos poucos minutos que durou essa recepção no Salão Oval, foi o Estado americano. Não apenas o sentido de Estado. Não, o próprio aparelho de Estado. O que Putin fez suas marionetes encenarem foi a dissolução, no ódio e no ridículo, da potência americana.

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Está claro hoje que temos dois inimigos (evidentemente, três — já que a China continua à espreita). Dois inimigos: Putin a leste e Putin a oeste. Seria possível, então, evitar uma guerra global? Se Putin conseguir impor, hoje, um cessar-fogo na Ucrânia, então, claramente, não. Por quê?

Porque a Rússia fez um esforço de guerra absolutamente sem precedentes e direcionou mais de 40% de todo o seu orçamento, de todas as suas riquezas nacionais, para a guerra, para a fabricação de material bélico. Ou seja, ela não pode parar. É como uma máquina lançada ladeira abaixo — ela não pode simplesmente deixar de continuar, caso contrário, tudo desmorona. Porque esse número — 40% do orçamento militar — implica uma ruína total da economia civil, das infraestruturas não ligadas à guerra, e o país está, objetivamente, em ruínas. E aqueles que dizem que a economia russa está florescendo são ou mentirosos, ou imbecis, porque, sim, se os números de crescimento são, de fato, positivos, isso se deve unicamente à indústria militar. Se essa indústria militar parar, em razão da paz, tudo para. — E, portanto, a paz não pode existir. É tarde demais para que haja paz.

Ainda mais porque os propagandistas russos e os oficiais (como Patrushev, há uma semana) vêm repetindo, desde 2022, que a Ucrânia é apenas uma “etapa” (eu já havia falado disso em uma crônica em março de 2022), e que o objetivo não é, de forma alguma, a Ucrânia. O objetivo declarado é simples: trata-se de restabelecer as fronteiras não da URSS, mas do Império Russo (que, grosso modo, são as mesmas). Por isso, é absolutamente evidente, indiscutível — e indiscutido — que, se a Ucrânia for derrotada — ou seja, se as democracias ocidentais forem derrotadas — os próximos da lista serão os países bálticos e a Moldávia. Sabendo que a Geórgia já foi conquistada por meio de eleições fraudulentas, que a Armênia foi reduzida a nada, e que a única salvação do Azerbaijão foi ter sido, de fato, englobado na grande Turquia de Erdogan. A questão que se coloca são as repúblicas da Ásia Central, que estão sob protetorado chinês.

Os países fronteiriços da Rússia serão conquistados militarmente. Veremos os tanques de Putin sob o Arco do Triunfo? Parece pouco provável. Não, trata-se de um colapso político, — econômico, social — ligado ao triunfo dos populismos, tanto de direita quanto de esquerda (aliás, que silêncio o dessas belas almas da LFI, que insultavam Zelensky sob o pretexto de que ele era um agente americano e que a Rússia lutava contra os EUA; que vergonhosamente comparavam Navalny a Assange, etc., etc… De repente, silêncio total, desapareceram, nem uma palavra agora que Putin e os EUA são a mesma coisa). E há populistas suficientes por toda a Europa Ocidental prontos para desempenhar o papel de Doriot.

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Mas a situação é desesperadora? Não. Ou ainda não. Primeiro, porque a ajuda americana ao esforço de guerra na Ucrânia representa 20%, no momento em que escrevo. A Europa Ocidental (União Europeia e Reino Unido) representa 25%. E os outros 55% vêm do esforço, inacreditável, heróico, da própria Ucrânia. A Ucrânia resistiu a seis meses de ausência total dos EUA — uma ausência que já revelava a posição de Trump.

A segunda razão está na pressa com que Trump quer impor seu cessar-fogo. Isso porque, neste momento, a Rússia também se encontra em uma situação crítica. E não se trata apenas de perdas humanas (vale lembrar: mais ou menos 1.000 mortos e feridos por dia desde o início da ofensiva atual — ou seja, dezoito meses de destruição equivalente a algo como três cantões de Côtes-d’Armor). Não, trata-se das perdas de equipamento. Hoje, os ataques de “carne para canhão” são lançados a pé, em carros civis, em motocicletas, ou de qualquer maneira, porque os ataques com tanques são cada vez mais raros — simplesmente porque há cada vez menos tanques em condições de funcionamento. E mesmo no caso da artilharia, pelo que entendi de uma das minhas fontes essenciais, Xavier Tytelman, Ucrânia e Rússia estão agora em paridade (não em todos os lugares, ao que parece). Neste momento, todas as ofensivas parecem estar paralisadas (o que não significa que foram repelidas, longe disso). Há um esgotamento real do lado russo. Um cessar-fogo assinado agora daria a Putin tempo suficiente para se rearmar, recrutar mais 800.000 soldados e manter sob controle o milhão de homens que atualmente estão servindo (e esse é outro dos grandes, grandes temores russos: o medo de que centenas de milhares de soldados traumatizados retornem à vida civil — uma vida civil que, vale repetir, está completamente arruinada, sem outra perspectiva de trabalho além do setor militar). O cessar-fogo agora abriria as portas dos países bálticos para Putin, países que a Europa, hoje, simplesmente não tem meios militares para defender. Isso porque, há décadas, a política da Europa tem sido “acreditar na paz”. A única força militar que tem alguma capacidade de defesa própria é o exército francês — mas ele também está tragicamente atrasado. Sem falar da política cega, imbecil e criminosa que levou à compra de equipamentos militares americanos — equipamentos que os EUA podem desativar a qualquer momento, se assim desejarem.

É agora que precisamos aumentar, com todas as nossas forças, a ajuda à Ucrânia — mesmo que isso signifique ceder equipamentos de nossos próprios exércitos. Porque é agora que a decisão será tomada, sim, nos próximos meses. E também precisamos entender que Putin, longe de ser um fator de estabilidade, é o próprio agente do desastre. Teremos que responder às sanções americanas com sanções equivalentes. E, sim, de um jeito ou de outro, teremos que reduzir o consumo de produtos americanos (não sei muito bem o que isso significa ou como posso deixar de usar meu iPhone ou meu computador — mas essa não é a questão hoje). Precisamos resistir, porque, de qualquer forma, a guerra econômica já começou.

Tudo se decidiu entre setembro e outubro de 2022, após a ofensiva que libertou Kherson e Sumy. Os líderes ocidentais não forneceram as armas necessárias para dar continuidade à ofensiva — e, ao fazer isso, assinaram sua própria derrota. Mas o que podemos fazer? A Ucrânia precisa resistir. Precisa resistir mais — não sei por quanto tempo. Mas o suficiente para que Putin não tenha tempo de reconstruir os milhares de tanques e foguetes que ele não pode fabricar enquanto as sanções permanecerem em vigor. E é exatamente por isso que Trump quer suspender, unilateralmente, as sanções contra a Rússia.

De qualquer forma, a guerra virá. E Putin, assim como Putin-Vance, concordam em um ponto essencial: chegou o momento de destruir toda a ideia de democracia. O tempo das milícias armadas voltou. Em um mundo em colapso, em um planeta condenado, o que importa é — como Putin dizia no início dos anos 90 — “fazer dinheiro, fazer dinheiro, fazer dinheiro” (fiz uma crônica sobre essa frase na época). Trata-se de saquear tudo o que for possível antes de deixar os netos viverem em outra distopia: um mundo extremamente restrito, privilegiado, enquanto todo o resto será deixado para devorar seus próprios mortos em busca de alimento.

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É por isso que, agora, precisamos nos reunir e, com todas as nossas forças, ajudar a Ucrânia — a Ucrânia liderada por um homem único, não um político bem-comportado, mas, sim, um mensch. Um homem que, por sua própria fragilidade, demonstra a força — invencível, digo, invencível — da banalidade democrática.

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