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Futebol é o jogo das virtudes maquiavelianas

Por Antonio Negri | Trad. Rodrigo Bertolotto, no blogue Grito sufocado, dica de Silvio Pedrosa.

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O futebol é o mais lindo esporte do mundo, e isso porque é um jogo de virtudes.

Explico: Maquiavel define como virtuoso aquele jogo no qual os jovens guerreiros romanos dançavam nos dias de festas, celebrando a vida e a guerra, o amor e a morte, a coragem e a generosidade.

Maquiavel criticava, com essa definição, a maneira cristã, onde a alegria e o jogo foram estirpados e trocados por rituais tristíssimos.

O futebol é, portanto, virtuoso porque é um jogo que reúne 22 singularidades que colaboram para um objetivo comum. Isso exalta a cooperação de pés e cérebros.

Por mais paradoxal que pareça, podemos aplicar ao futebol os esquemas que derivam da sociologia do trabalho.

Até o trabalho pós-moderno, imaterial e virtual, nasce da cooperação de funções intelectuais (de mãos e cabeças), realiza-se através de meios de comunicação e produz por meio de finíssimos nexos.

O futebol seria como jogo pós-moderno?

Não, certamente não: a modalidade nasceu em uma bela praça da Florença renascentista e foi codificado nas faculdades inglesas.

É, logo, um fruto da modernidade.

Apenas o futebol, melhor que qualquer outro esporte, adaptou-se à nova época na qual entramos, já que é o esporte das multidões.

Das grandes multidões, que criam o espetáculo, mas, acima de tudo, daquelas pequenas multidões, aquelas aglomerações singulares, que constroem uma equipe.

Faz algumas semanas, fui assistir a um ensaio do maestro Claudio Abbado com a Filarmônica de Berlim: um verdadeiro treinamento de grande singularidade.

Maravilhoso era acompanhar a acumulação de partituras e torneios instrumentais em um som sempre perfeito e distinto, o som do que é comum.

De tanto em tanto, o maestro se distanciava, descia do palco e fazia ver que a orquestra tocava sozinha.

Também vendo o futebol, tenho a impressão de ouvir uma música tocada por si só.

A importância do técnico é primordial, unindo o lúdico a uma eventual obra-prima.

Mas voltemos para a sociologia do trabalho: também o trabalho imaterial, isto é, o trabalho intelectual, informático se articula através do fraseado múltiplo da singularidade.

E, se a máquina organiza a produção, a cooperação linguística constrói seu sentido. Na medida em que aproximando os fonemas formamos palavras, e, juntando palavras, podemos gritar gol!

Como grandes pensadores lógicos, os jogadores de futebol constroem significado com a inteligência dos pés, supervisionado pelo cérebro comunitário, que permite deslindar a ação complexa.

Abbado desce do tablado, e a orquestra segue tocando.

Produção da multidão, produção pós-moderna, produção intelectual.

O futebol nasceu faz tanto tempo, mas somente hoje, quando entramos nessa nova era, pôde mostrar inteiramente o fascínio da vida atual, pós-moderna, imaterial.

Dê uma olhada em outros esportes coletivos: o futebol americano ou o rúgbi não são construídos como uma totalidade, como uma música em coro.

São, sim, fragmentos de episódios do jogo.

Os dois conjugam uma exacerbação de performances individuais.

São esportes esquizofrênicos, típicos da articulação moderna, sempre incompleta, ao mesmo tempo de massa e individual.

Contrário a tudo isso, o futebol: aqui não há massa nem simplesmente individualidade.

Há multidão que contempla as singularidades, há uma proliferação múltipla de ações singulares, há um coral polifônico.

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