Por Antonio Lancetti, psicanalista
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imagem: Tiago Hoisel
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Acabo de assistir à entrevista coletiva dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto. Os dois ministros, em tom defensivo, repetiram várias vezes que a maioria das pessoas que foi às ruas no dia de hoje eram pessoas que não votaram na Dilma, dando de bandeja o triunfo para a oposição ressentida e a direita ignóbil.
O ato de 15 de março de 2015 não foi organizado por partidos de oposição, mas redes sociais em torno de uma paixão antipolítica, tanto é que Aécio Neves foi logo embora e Paulinho da Força não conseguiu falar. Muitos dos que lá estavam devem ter votado na Dilma. O enunciado “tinha gente que por memória eleitoral foi lá” é pífio, reduzindo a potência desse ato que foi meio massa, meio público, meio multidão.
Esse tipo de contato por Whatsapp e Facebook é típico de ações micropolíticas que, como Guattari ensinou, não são necessariamente de esquerda. Movimento de contágio e expansão que se manifestou contra o governo e poderia ter se manifestado contra outros governos. Também em nenhum momento escutei-os mencionar o fato de a Rede Globo ter noticiado um milhão de pessoas e a DataFolha 210 mil. Medo da multidão e medo da Globo.
A ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, na edição de 15 de março de 2015, destacou a parcialidade do jornal durante a semana anterior e, mesmo sendo um dos meios de comunicação que convocou o ato, pelo menos guardou algum decoro ao falar em 210 mil. Vejam as capas do Estado e da Folha, são iguais… quem as pauta? Mas me parece que os ministros nada falaram a respeito.
Eles deveriam ter falado que o povo estava ali porque é contra da política do jeito que ela existe, dominada pelos empresários e que, por isso, é preciso reforma política. Deveriam ter falado que, se a Dilma tivesse tirado Guido Mantega, empresas internacionais teriam colocado a pata na empresa mais do que já a metem e talvez nada de denúncia estaria acontecendo.
Mas o PT está na culpa desde o mensalão e acha que a corrupção consiste exclusivamente em dinheiro desviado. Por isso, não consegue responder à altura, afirmando orgulhosamente que, para viabilizar um governo que visivelmente favoreceu os trabalhadores brasileiros, teve de pisar na lama. E que, para avançar, não é só preciso fiscalizar mas também sair da lama.
Parece que os companheiros esqueceram-se da época em que achávamos que construir um banco era maior delito do que roubar um. Embora convocada e trabalhada por Globo & companhia, as pessoas andavam pelas ruas sem uma única direção, como um conjunto de subjetividades – primeira característica de uma multidão.
Embora o conjunto de pessoas que foi à Paulista e outras ruas tenha um aspecto de “público-rebanho-midiático”, há elementos de multidão e o PT, principalmente os que estão inflacionados de poder, não percebem. Ou não têm a coragem de enunciar com todas as letras que corrompida é a representação política como um todo. Em consequência disso, o PT teme a multidão, por que esvaziou o investimento na potência dos movimentos e das singularidades sociais.
Esta crítica se pretende uma contribuição para sair das cordas em que a história nos encurralou. Não haverá reforma política sem a potência de multidões que palpitam em expressar a sua imanência revolucionária, sem combate ao imperialismo midiático. Essas transformações precisam ser colocadas de outra maneira, com mais humor, com a convicção e com alguma luz.
Talvez esta situação de cerco e crescente complexidade nos force a pensar alguma saída criativa. Com todo o carinho pelos companheiros que estão segurando a onda em Brasília, lembro a frase de Gilles Deleuze que disse que só pensamos quando somos obrigados a pensar. Talvez estejamos aproximando-nos de um momento em que possamos dizer: bom dia companheiros da esquerda deste país.
Em tempo: um amigo argentino que leu isto observou: desde aqui nos parece que estão tratando com abutres como se fossem pardais. Observe o que acontece no mundo, como nossos grandes revolucionários nos ensinaram.
Entender é preciso, mas é hora de lutar e inventar outras armas. O clima é de 1964, a história, como disse Marx, se repete como farsa. Mas não estamos em 1964. Estamos sim em 2015 com o CMI – Capitalismo Mundial Integrado – disseminado como uma alma nas subjetividades, emporcalhando os nossos desejos.
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Antonio Lancetti, psicanalista, é autor de Assistência social e cidadania e Clínica peripatética