Lanfranco Caminiti, 8 de novembro de 2025
Tradução de Felipe Fortes
Daquela cela na prisão de Rebibbia — Marione Dalmaviva, Lucio Castellano, Paolo Virno e eu mesmo — só restou eu, o mais tolo. Paolo estudava, Marione desenhava charges, Lucio refinava seus conceitos sociológicos, e eu escrevia historinhas. E a dor que sinto hoje, com a morte de Paolo, pesada como o monte Tai, é indizível: Paolo era luz. Até mesmo no horror daqueles anos.
Parabéns, Paolo, meu irmão (28 de Janeiro de 2022)
Piero tinha um suéter de caxemira lindíssimo, azul, largo, com gola canoa, uma daquelas coisas que só de olhar você já se sentia aquecido, protegido, elegante. Eu nunca tinha tido um suéter de caxemira, caro demais. E quanto à elegância, no máximo eu poderia exibir na hora do sol, no pátio de Rebibbia. Não que eu não ligasse para isso, eu não gostava era dos que andavam sempre de macacão. Era coisa de presidiário, o uniforme dos presidiários. Quando Fiora me mandou, não lembro de onde, um macacão da Adidas, imaginando que talvez me tivessem sobrado só as calças depois daquelas transferências punitivas e inesperadas, era azul-claro, com as três belas listras azuis-escuras nas laterais. Mas eu jamais poderia usá-lo, o dei à Valerio, quando chegou, recém-capturado e sem nada: ficou feliz e o usou por anos.
Não era só o guarda-roupa que nos importava. Éramos “terroristas” em prisões especiais, não monges trapistas. Nos dias de visita, era um troca-troca de roupas, o paletó, os sapatos, a camisa. A última coisa no mundo que queríamos era parecer como maltrapilhos.
Nunca pedi a Piero que me emprestasse seu suéter de caxemira, pedi que me desse de presente. Ele também tinha uma bela jaqueta de pele de carneiro, mas essa me interessava menos. Então comecei a cortejá-lo. Ele nunca tirava o suéter, eu o tinha diante dos olhos o tempo todo. “Agora que você vai sair” — eu dizia — “deixa o suéter pra mim”. Eu estava convencido de que Piero sairia, não havia “elemento probatório” que o ligasse à Prima Linea. E havia até uma campanha de opinião pública a seu favor, um poeta, um intelectual. Piero Del Giudice escrevia poemas lindíssimos.
“É um presente”, dizia ele, “não posso te dar.” Devia parecer um argumento definitivo, segundo ele, mas não para mim. “Ora, justamente por isso”, eu insistia. “É assim que a dádiva se perpetua, o objeto da dádiva, dos desejos, o sinal da nossa generosidade”. Uma vez ele apelou para a política, “ah, vocês, meridionais, sempre pedindo, sempre se fazendo de vítimas.” Imagina se isso ia me desmontar.
Depois, Piero foi mesmo libertado. E, enquanto arrumava a mochila para ir embora, colocando todas as suas coisas dentro, ali mesmo me deu seu belíssimo suéter de caxemira. Talvez tenha pensado que eu lhe tivesse dado sorte e que eu devia ser recompensado. Fiquei realmente feliz, abracei ele, sem conseguir dizer nada. Boa sorte, Piero.
Assim, exibi “meu” suéter de caxemira azul, de gola canoa, no pátio de Rebibbia. Usei por meses. Depois, besta como sou, o queimei com um cigarro. Era um furinho pequeno, mas para mim virou obsessão. Falava com todos, “olha, fiz um buraco.” Um dia, Teodoro, um dos brigadistas “menores”, me disse: “deixa que eu conserto.” “Tem certeza?” “Claro, sou bom com agulha, vai ficar novo, nem vai dar para ver.” Não sei por que confiei, nunca fui de confiar nos brigatistas. Quando estive em Badu ‘e Carros[1], tinham me deixado sem lençol e sem nada; um dos brigatistas “maiores”, me disse: “não se preocupe, te empresto um”. Me passou o lençol pelas grades. Dias depois contou que tinha fungos, “mas que idiota, e me dá o teu lençol?” De todo modo, entreguei a Teodoro o suéter de Piero como uma relíquia, afinal ele estava se afastando das Brigadas Vermelhas, talvez eu pudesse confiar nele. No dia seguinte, me devolveu todo contente, me desafiando: “ache o buraco.” Pois o buraco não estava lá, mas ele tinha feito um nó de fios, uma excrescência mais visível que o buraco. “Mas que diabo você fez?” Desmanchei na hora e agora o buraco estava ainda maior. Não me importei, esnobe como sou, passei a usar com orgulho o meu buraco.
Algum tempo depois, foi aniversário de Paolo. Trocávamos pequenos presentes na cela, um livro já lido, por exemplo. Ou então a gente se dava de presente um turno de lavar pratos ou preparava algo “especial” para comer. Eu não tinha nada para dar a Paolo, que nessa época estava ocupado em estudar Aristóteles. A coisa mais preciosa que eu tinha era o suéter de caxemira. Gostava muito de Paolo e passei a gostar ainda mais depois, quando veio me visitar na Calábria, recém-libertado, e quando depois fizemos juntos a revista Luogo Comune. Ainda gosto dele.
Então, lhe dei o suéter de caxemira de Piero, que haviam dado a ele e que ele dera a mim, que eu havia queimado e confiado a Teodoro para consertar. Feliz aniversário, Virno, meu irmão.
[1] Badu ‘e Carros é o nome popular de uma prisão de segurança máxima localizada na Sardenha, Itália, mais precisamente no município de Nuoro.
