RESENHA do último livro de Alain Badiou, L. Toni e M. Zaffarano: Il risveglio della storia: Filosofia delle nuove rivolte mondiali (Saggi), ed. Ponte alle Grazie, 2012.
Autor: Gigi Roggero / Tradutora: Leonora Corsini
O que é um panfleto político? Para dar algumas indicações baseadas na materialidade das forças em campo e nas tendências atuais possíveis. Ao falar das “lutas globais”, se está assumindo uma tarefa pesada. Marx, Lênin e outros revolucionários nos ensinaram que o problema não é fazer uma “filosofia” da insurgência, mas para construir a partir das insurgências um discurso comum e uma direção política, utilizá-lo como máquinas para as lutas e para os processos de organização. Será que o Despertar da história de Alain Badiou faz isso? Parece que não. Protestando contra as pretensões dos intelectuais ocidentais em explicar as insurgências de tunisianos e egípcios, em dizer o que eles deveriam querer, o filósofo francês adverte peremptoriamente: “devemos nos interrogar como alunos desses movimentos, e não como seus estúpidos professores”. Dito de outra forma, o trabalho duro dos movimentos militantes de pesquisa real deve ser substituído pelo caminho mais fácil da assertividade ex cathedra: não se trata de pensar a partir do interior, do que poderia ser resolvido, mas de explicar a partir do exterior, do que deveria ser.
Genealogias e transcendência
O título é intrigante; afinal, qual é essa história que despertou? É aquela que Fukuyama acreditava que havia acabado com o triunfo do capitalismo neoliberal. Badiou a princípio coincide com a idéia do conservador nipo-americano, no entanto, com a “primavera árabe” (e um pouco “com os indignados espanhóis, embora não muito, porque nem todos os discursos são o que o filósofo francês quer ouvir) a história é reabertoa. Diante de uma hipótese tão importante, epocal, poderia ser dito, surge a pergunta: como uma história que chegou ao fim pode ser capaz de despertar? Através de uma “revolta histórica”, “resultado do processamento de um dado instante, mais niilista do que político, insurgência a-política”. Quais as características dessas revoltas, Badiou não nos diz. Ou melhor, não há nehuma peculiaridade nessas lutas, não se trata de ciclos, fases ou sedimentações de subjetividade: suas características são a-históricas. É isto, um acontecimento que irrompe na história sem determinação histórica. Ao nos indagar como este evento é produzido, não conseguimos encontrar respostas a não ser no campo da teologia: é um milagre, anunciou – a posteriori – o filósofo. É, por definição, um evento puro e desencarnado, em oposição aos processos de organização e composição dos sujeitos sociais na motivação de suas lutas concretas. Este evento não tem genealogia, mas é pura transcendência; é, como Jesus que nasceu do ventre de Maria para fazer despertar a História.
Alguém poderá dizer que os insurgentes recebem melhor tratamento que o de Zizek (observações politicamente incorretas sobre violência metropolitana), que os classificou como portadores de uma violência cega e sem sentido, produzida pelo capitalismo. Talvez, mas também é verdade que em Badiou há uma crítica tão feroz do Estado, quanto é fraca a capacidade de compreender a subjetividade que desafiam o Estado. Trata-se, no máximo, de uma massa inconsciente e sem forma, um levante forçado pela pobreza e alienação, incapaz de ir além do “puro gozo na fragmentação e divisão em que existe”, a menos que se submeta à Idéia – que ele, o filósofo, detém, ça va sans dire. São precisamente os sujeitos das lutas, em sua materialidade, os grandes ausentes da História, adormecida ou desperta: Badiou – ao contrário de Mao a quem ideologicamente se associa que fundamentava a perspectiva revolucionária na pesquisa dos movimentos de camponeses de Hunan – nada diz sobre quem são, quais as formas de vida e de socialização, do porquê se revoltam ou poderiam se revoltar (seria tempo perdido com “anedótica”, escreve ele). Assim, segundo Badiou, é preciso passar de um conceito de classe “frio”, simplesmente “analítico e descritivo, ao conceito de massa, o “elemento ativo das rebeliões”. É esta figura sombria, sem rosto e sem história, que faz irromper o acontecimento. Desculpem-me, vamos dizer corretamente: é o Acontecimento que se utiliza, em prol de seus próprios propósitos obscuros esta figura indistinta “nem política, nem pré-política”. A determinação histórica não significa nada “o que importa não é tanto aquilo que existe, mas aquilo que não-existe”. E adeus materialismo.
Neste quadro analítico, não é fácil para Badiou responder à pergunta se alguém pode ser comunista sem ser marxista. L’è peso el tacon del buso, para usar a linguagem popular que os franceses usam em seus panfletos (que é reservada aos tratados abstratos e metafísicos de São Paulo e às conferências acadêmicas, mas lá está ela, a autonomia da filosofia é vício da academia). O marxismo fica, com efeito, reduzido ao “papel determinante da economia”, ou seja – Badiou acrescenta – “à Teoria das relações de produção”. Eis aí a raiz do equívoco. As relações de produção, para Marx, não são questões que dizem respeito apenas à economia, como pensavam os economistas vulgares e, a partir deles, muitos marxistas entre os quais o Mouro de Trier se recusaria a ser incluído. Elas têm a ver com a subjetividade e as lutas, com as formas de organização e a potência da vida em comum, e os dispositivos de captura. Falam da construção do mundo e das relações de força. Se não se compartilha disto, o capitalismo se torna o único sujeito da História: deixa de ser, como Marx apontou, uma relação social, para se transfigurar em uma entidade totalitária e do mal, autônoma e que se desenvolve por conta própria.
Diferenças radicais
Mas não, não se pode ser comunista sem se colocar no interior da composição de classe, sem fazer pesquisa nas lutas e se impregnar dos processos de organização. Mas sobre isso Badiou é claro: a organização, o “trabalho da verdade nova”, começa somente depois do Evento. E o Evento só pode ser, religiosamente, anunciado e revelado, pode-se no máximo teorizar sobre o que já aconteceu, e não organizar aquilo que pode acontecer. Esta é no fundo a diferença entre a filosofia e a política revolucionária, entre a Idéia e um movimento real.
Fechando o livro, a dúvida te assalta: e se na realidade, no meio dessa massa indistinta e a-histórica, informe e pré-política, o sujeito estivesse bem presente, do início ao fim, e não fosse outro que o próprio filósofo? Neste caso, então, valeria a pena ser maoísta: quem não faz pesquisa não tem direito à palavra.
Gigi Roggero, original em http://uninomade.org/la-storia-non-si-e-mai-addormentata/