Como apresentado por Gonçalves, o patrimônio cultural foi abordado sob óticas distintas por Rodrigo Melo Franco (presidente do Sphan entre 1937 e 1968) e por Aloísio Magalhães (diretor do Iphan entre 1979 e 1981). Nesses dois homens e em seus trabalhos encontramos posições e disputas políticas de seus tempos. No final dos anos 1930, o barroco mineiro foi o “patrimônio histórico e artístico” que elevaria o país ao plano das nações europeias ao identificar e afirmar uma cultura brasileira autêntica. Já Aloísio Magalhães apoiou-se na moderna antropologia e usou o termo “bens culturais” para relacionar o processo de criação e recriação das inúmeras manifestações à diversidade da sociedade brasileira. As disputas de cada momento foram ponderadas pelos chefes do Iphan em consonância com outros aspectos de políticas públicas para a educação e para a ciência, por exemplo.
Como observado pela Unesco, o patrimônio histórico e artístico de um país é uma questão estatal. Cabe ao Estado sua salvaguarda, proteção, conservação, divulgação e compreensão. Tais conceitos também são relacionados a outras instituições que, direta ou indiretamente, trabalham com a proteção e a divulgação de ciência e cultura no Brasil.
Já que o patrimônio é uma ferramenta dentro da narração de nação, a pergunta que se apresenta é: qual o projeto vigente para o setor do patrimônio? Como o atual governo visa usar o patrimônio e a memória? Como a política patrimonial se torna mais e mais política de governo, de que forma esta administração pretende trabalhar a preservação de bens culturais e naturais mundiais?
Levantamos uma hipótese: e se um patrimônio cultural mundial se tornar inconveniente para o governo? Tal bem será retirado da Lista do Patrimônio Mundial? O Brasil pode se dar ao luxo de não ser mais signatário de diversas convenções internacionais que protegem a diversidade cultural? Isso também pode apresentar reflexo no comércio exterior. Tal bem cultural será apenas deixado à própria sorte e sofrerá pressão de todos os lados. Qual será atitude da sociedade civil em relação a estas decisões? A forma de debate na sociedade vai ficar restrita ao discurso negacionista, em seu sentido mais amplo que nega qualquer tipo de realidade?
O país passa hoje por um desmonte de políticas e de instituições de educação e ciência. O que acontece com o Iphan também se passa na Funai, Fundação Palmares e Fundação Casa de Rui Barbosa, por exemplo. Tais instituições são importantes pela atuação junto ao público, nos museus e nas escolas. Eliminação não é política pública de cultura. Nesse sentido, colocamos nossa preocupação: qual o futuro do Iphan e das políticas públicas de preservação do patrimônio?
Marcela Werneck – Doutora em Memória Social – UNIRIO – Pedro Libânio – Doutor em Memória Social – UNIRIO / Pós-doutorando na MAE/USP