Por Pedro Mendes, da UniNômade
Só numa cidade como o Rio de Janeiro, com uma estrutura de poder midiático-militar (e escravocrata) como a que temos aqui é possível pensar em acontecimentos como o de ontem no Complexo da Maré. Um trabalhador leva quatro tiros na cabeça – não um, nem dois – e fala-se em ‘balas perdidas’ (?!); várias pessoas morrem com sinais de execução (inclusive facadas, segundo depoimentos de moradores) e a imprensa, ou pelo menos parte dela fala em confronto “entre traficantes e a polícia”.
Ora, que haja traficantes envolvidos no assassinato do policial (quando o primeiro morador já havia sido assassinado, é bom que se diga) é possível conceber, que se reduza essa chacina, esse verdadeiro massacre a um confronto definido e isolável entre os traficantes e policiais é um ESCÂNDALO!; só tornado possível por essa comunhão macabra entre o governo do estado, a mídia monopolista e uma parcela da opinião pública.
É preciso que se diga que o que ocorreu ontem foi antecipado (e mesmo anunciado) pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, sr. Sérgio Cabral, há uma semana atrás, e o sentido do recado foi claro: manifestações em favelas (ou envolvendo moradores de favelas) não serão toleradas, custe o que custar.
De outra parte, a operação só se torna completa com a cobertura criminosa e cúmplice da imprensa – apavorada com o crescimento do movimento, considerado incontrolável e mesmo imprevisível – sempre disponível para dar legitimidade a chacinas e massacres como esse e garantir que a estrutura básica da sociedade brasileira não mude, a mesma que vem sendo frontalmente contestada pelo movimento.
Que ninguém se engane: a violência brutal com que o Estado e a mídia tentam esconjurar uma possível união do movimento com a favela – como se essa união já não estivesse plenamente em curso – dá a dimensão do medo e do ódio que as recentes manifestações tem desencadeado no bloco biopolítico de poder.
Mas ontem as máscaras caíram definitivamente: a violência que tanto alarma as elites é, na verdade, a possibilidade de que a violência que ela destina cotidianamente aos pobres dessa cidade e desse país possa, em algum momento, se voltar contra ela. E o movimento já percebeu isso. Ontem ele amadureceu um pouco mais.