Dilma Rousseff iniciou seu mandato com o duro desafio de substituir seu mentor, e grande fiador de sua eleição, Luis Inácio Lula da Silva, cujos índices de popularidade batiam na Lua quando deixou o poder. Dilma, um ano depois, possui aprovação recorde para um primeiro mandato presidencial, superando o próprio Lula. O governo Dilma tem o apoio de quase três quartos dos brasileiros – e ele ainda é considerado ótimo ou bom por mais da metade. Levando em consideração que ela foi eleita com uma votação inferior a Lula e FHC, é um fenômeno político interessante.
Nesse aspecto, impossível não conectar esse welfarismo com as políticas do Ministério da Cultura, alvo de críticas constantes e contundentes de ativistas da área, o que termina por ser potencializado pela torpeza da sua ocupante, Ana de Hollanda: política cultural voltada para a construção de uma indústria nacional, assentada na figura do “artista”, e menos para políticas moleculares que se desdobravam por dentro sociedade, com inaugurado por Gilberto Gil – e continuada por Juca Ferreira, seu sucessor -, cuja atuação no MinC foi a grande surpresa positiva do governo Lula.
O mesmo pode-se dizer das grandes obras do governo, uma delas, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – que pode alcançar as mais diversas formatações, daí sua estruturação ser alvo de uma intensa disputa – e a usina hidrelétrica de Belo Monte – que era alvo de disputa dentro do governo Lula, mas com a ascensão de Dilma tornou-se sua cereja do bolo.
O primeiro, não saiu do papel sequer ainda, embora tenda a ter um modelo sob o controle e o agrado das empresas que controlam o setor telefônico – com valor barato, mas com uma qualidade que não ameaça seus planos de banda larga, como o Speedy da Telefonica -, o que consiste em um fiasco duplo do ministro Paulo Bernardo, seja projetivo ou de implementação do mesmo. A usina de Belo Monte, por sua vez, é alvo de controvérsias judiciais e de campanha popular contra ela. O ponto central das críticas ao projeto é o seu impacto sobre o Rio Xingu e, por tabela, sobre o Parque Nacional do Xingu onde vivem quase três dezenas de povos indígenas diferentes.
A questão da produção energética, aliás, perpassa a atuação de Dilma ao longo do governo Lula. Ela assumiu as Minas e Energia no auge do chamado Apagão – a crise energética, nascida no governo FHC, que ameaçava chegar ao ponto de racionamento de energia nos domicílios – e conseguiu articular saídas para o pior no curto prazo, ainda assim, como é público e notório, os custos com energia elétrica no Brasil são dos mais altos no mundo – onerando fortemente consumidores domésticos. Questões que se levantam em relação a Belo Monte são, precisamente, a própria eficiência da planta industrial que Dilma pretende expandir, mas é um debate que atravessa, fatalmente, o modelo de desenvolvimento – o que jamais poderia ser desvinculado da engenharia energética que lhe move, como colocado aqui há meses.
Também foi vista movimentação intensa nas pastas de Educação e Justiça, ambas chefiadas por notórias figuras da esquerda do PT. No MEC, Fernando Haddad, em seu último ano na chefia da pasta – ele se retira para se disputar a Prefeitura de São Paulo – tocou adiante o Plano Nacional de Educação, conseguiu negociar o aumento gradual de verbas para o setor e manteve o trabalho inercial de inclusão no ensino superior e de reestruturação das competências do ensino médio e fundamental. Na Justiça, José Eduardo Cardozo começou o ano acossado com pressão Planalto para demitir um secretário seu, Pedro Abramovay, por suas declarações sobre política criminal e a questão das drogas, depois, coordenou o processo de constituição da comissão da verdade, cujos trabalhos se iniciam este ano, em cima de críticas por sua limitações – em comparação aos vizinhos latino-americanos.
Do ponto de vista da política externa, Dilma adotou, com Antônio Patriota como chanceler, uma linha retórica low profile – em contraste com a retórica não-alinhada de Celso Amorim, ideólogo da política externa contemporânea e atual ministro da defesa -, mas depois de uma inflexão assumindo o discurso dos direitos humanos nos termos do Ocidente, voltou atrás e colocou-se na mesma posição de antes, alinhado com os Brics e o Sul. O processo de integração sul-americano segue em curso, o que combinado com a decadência americana, provoca um reviravolta mesmo em governos conservadores recém-eleitos, como o de Sebastían Piñera no Chile e o de Juan Manuel Santos na Colômbia – o que torna as posições de Serra em matéria de política externa incrivelmente anacrônicas.
Elas por elas, Dilma está em uma posição, hoje, confortável. O que não quer dizer que seja boa. Ela já está diante de uma liberação intensa do potencial da massa pobre que, até outro dia, era posta em seu lugar, resignada e desautorizada a desejar; isso, agora lhe é favorável, mas certamente testará, tão logo, os limites da democracia representativa – o que ela espera conseguir evitar por meio da gestão pública “racional”, do welfare (a articulação entre política encastelada no Estado, produção encapsulada nos moldes do trabalho empregado e vida normatizada pela família) e, é claro, do progresso.